Nó na garganta
O preto cimento, as largas rachaduras cobertas de musgos, a parede bruta e primitiva cor de barro. O chão de barro. Cada canto do humilde casebre...A terra debaixo de suas unhas. O rio que desaguava dentro de si. Nascente no coração.
Era quase um homem, mas ainda que não assumisse consigo, desejava simplesmente ser garoto. Como quando amanhecia e nada havia para se fazer. Nos tempos em que tinha de tratar dos animais e não servi - los à mesa.
Alexandre é quase homem. Tem treze anos. E talvez desperte - lhe os olhos dessa idade tão somente quando precisa ser cruel. É dessa forma que os homens são como devem ser... Função por gênero. Ponto final. Todavia, é puramente fingimento não se importar com a futilidade da pobreza, com a desprezível fome que os parece matar aos poucos. Os torna homens. E ele tem de matar...
É que para qualquer outro é simples, é fácil, é corriqueiro, é normal. Entretanto, Alexandre não deseja ser homem. Quão vergonhoso isto é! Quer ter na mesa somente os vegetais.
A mãe o chama novamente da cozinha, dessa vez impaciente. "Já matou, Alexandre? ". Ele viaja, agachado no galinheiro de seu quintal. Homem não chora. "Por que não podemos comer apenas cenouras ?"
O tempo estatifica -se. É sua alma de criança. Voltam -lhe de repente as lembranças. Os olhos de inocente menino, que brincava com aquele pequenino filhote engraçado, batendo as asas, bicando -lhe a macia carne dos dedos curtos e imaturos. Fazia calor ali dentro. Imensa alegria se expandia pela simplicidade de amar humildemente o bichinho. No meio daquela fumaça de terra vermelha, ele ignorava que viver não é brincar. Brincava. E assim se fez o fluido laço com aquele que chamara de seu melhor amigo.
Frente a frente com ele, Alexandre franze o cenho, encarando -o com crueldade. Este, parece olhá - lo com suplício em sua imaginação de menino. Não pode controlar o nó na garganta. Seus olhos marejam. Tenta sentir raiva. Mas não sente. Bate no bicho, que cambaleia um pouco e em seguida se põe de pé, aproximando-se. Alexandre o afasta com brutalidade. Não consegue sentir ódio da criatura o suficiente para matá -la. Terá de fechar os olhos. É homem. Por isso chora, exprimindo as têmporas, exprimindo a garganta daquele que era seu melhor amigo.
Durante a ceia, a mesa é farta, como raramente. A família está feliz. O aroma do tempero invade o ambiente. É uma constante falação. Estão felizes! Comentários sobre o cheiro da panela que fervilha, o forno que assa, o frango sobre a mesa. Alexandre se põe de canto. Agora entende que o mundo não é a irmandade de que todos falam. A única vez em que se aproxima da mesa é para se despedir do amigo, com uma voz trêmula que é a típica dramaticidade de criança. Sente -se como num velório... O bicho sobre a mesa. O amigo que ele matara em virtude da pobreza que os mata feito animais.