Rude amanhecer
Com poucos dias de Jacarta, onde permaneceria por 15 meses, conheci o guri Fajar pela voz. Seu choro matinal era precedido do ruído da motocicleta do pai, que saía peidando ruafora ao alvorecer. Sons mais distantes, dos muezins chamando os fiéis à prece, eram também ouvidos num ritual ao qual me acostumei, e até achava neles uma serena materialização onírica do que havia lido, anos antes, nas páginas de Malba Tahan.
Já o choro do Fajar, esse eu custava mais agüentar. E nunca cheguei a ver pessoalmente o aludido petiz, embora sua vizinhança com meu quarto, na rua Panglima Polin II, do bairro Kebayoran Baru, fosse praticamente de uma parede. Aprendera seu nome por meio do jaga - vigia - de nome Muhamad, que, caolho, era suposto passar a noite em claro, sem fechar o olho são.
E não havia alvorecer que o pirralho Fajar deixasse de acontecer. Não se conformava de jeito maneira que o pai o deixasse pra trás. Contudo,
jamais ouvi, e muito menos testemunhei, um retorno à casa daquele pai motoqueiro. Ou nossos horários se desencontravam, ou Fajar teria um sorriso muito menos lancinante do que suas lamúrias convulsivas diante da partida matinal.
E o choro inicial me incomodava mesmo. Cheguei a cogitar falar com o pai que empurrasse um pouco sua moto, para dar partida na rua, já um pouco mais distante de minha cama e, de molde a provocar menos palpável reação de seu infante, mas não levei o alvitre avante. Acomodei-me com o desconforto, que me levava a abluções antecipadas, alguma leitura, e novo recolhimento. Mas me mantive contrafeito.
E o ano de 79 correu, entrou o de 80, que corria mais depressa, mas deixei a Indonésia antes que chegasse à sua metade. E lá ficou Fajar
sem meus ouvidos, e meu olvido, alcançar.
Tempos depois foi que atinei para o que dizia o Kamus Bahasa Indonesia (dicionário da língua indonésia), onde achei o significado do verbete fajar: amanhecer - podes crer?