Maria Ré
Não era acusada de nada, a Maria Ré. E se sua vida parecia tomar, por vezes, a contra-marcha, pouco se incomodava. Eram desatinos do destino. Ré talvez lhe fosse nome próprio, pois em sua companhia também vivia o irmão, o João, também Ré, meio pinguço até, mas homo de boa fé, que vivia de bar em bar, até a hora de fechar e de pra casa retornar. Ou o caldo entornar.
Maria era que sustentava a casa, servindo café no escritório da Companhia. Tinha a Maria ainda uma filha, moça duns traços belos, mais sujeita a desvendar os mistérios do coração, do que os contidos nos fastidiosos compêndios escolares.
A filha de Maria que já ia atraindo olhares mais percucientes da moçada era dolce - i gabbana - para se usar uma expressão mais em moda. No seu semblante, a moçoila insinuava ser fruto de um amor clandestino da mãe, quiçá com um dos estouvados moços filhos do dono da Companhia. DNA então não existia.
Mas a compensação de Maria foi ter ganho o emprego, a filha adotada e criada na capital, até uma certa idade. Na volta, para residir com a mãe, já mocinha, a filha passou a encantar, ainda que os belos dentes já traíssem algum sinal de descura - mas quem, ardente de amor, liga pra essa frescura?
E ademais, ela, a filha, veio falando uma língua curiosa, que aprendera com os pais adotivos na capital, e que explicava, com paciência para o atento ouvinte da ocasião, no namoro do portão:
Tatucha, obiet yest na stule!
(Papai, o almoço está na mesa!)
Pena é que o pai não aparecia.