Sem Ferrero-Rocher
E Maria Benedita casou-se. Embora apenas na beiradinha inicial do outono da existência, quem a visse dobrada à janela, nas folgas que lhe dava a fábrica de tecidos, não apostaria todas as fichas numa vinda extemporânea de Cupido. Afinal, havia tantas outras moças na cidade, prendadas, rendadas e mais dadas que pareciam deter a precedência para uma história de amor. Entre elas, até professoras...
Proibido o jogo por lei federal dos tempos ainda de dona Santinha, que mandava no General, ninguém apostou nada, onde o bicho, a loteria e umas tômbolas episódicas soíam, aconteciam e, ainda hoje, carreira arrepiam.
O certo é que contra tanto prognóstico, Maria se casou. O felizardo, que na modesta soleira de sua casinha aportara tinha um chapéu de feltro, um olhar moreno e circunspecto e atendia pelo apôdo de Zé do Fole. Tentara, e já fora visto em ação, a vida de servente de pedreiro e, já noivo, não parecia mais disposto a enfrentar aquela pedreira. E tinha o apoio - e o sustento - de Maria. Além da companhia. O resto, era curtir o dia.
As bodas foram simples, diretas,sem rapapés, nem Ferrero-Rocher. Maria botou o vestido branco, a grinalda, tudo com a ajuda de uma agregada Figininha, miudinha, sardentinha, mas mais ajuda que qualquer família que tinha. E com a garantia de que a entrada do Zé nada alterava na composição da habitação da casa de Maria.
E Maria enfrentou com garbo o falatório pós-casório. A uma pergunta de uma companheira de fábrica e de solteirice sobre se casamento era bom, Maria respondeu:
- Casamento é bom, Lia, o que é ruim é a língua dos outros.