Tempos de fábrica

Tive os meus, grazadeus. Dias contados, contabilizados e remunerados. E os cobres, aos quinze anos ganhei um bocado. Era meio salário, apesar do integral horário, mas despesa de pre-rapaz, com qualquer um se faz.

Já com o ginásio completo, o emprego não era o predileto, pois se não me habilitava a uma posição no escritório, como três de meus colegas de escola, engravatados e com direito ao café servido por dona Maria Ré, ao menos me restava o consolo de uma salinha fechada, só minha, com chave e escrivaninha, junto ao enorme galpão, repleto de teares, filatórios e falatórios - mais a respiração à base do algodão.

E quando da salinha eu saía era para recolher amostras - de todos os tipos de fios, dos mais fininhos, dos filatórios, aos encorpadões, das cardadeiras, doutros porões, passando pela urdideira e pela maçaroqueira.

Sempre de mão no algodão, tudo pesava, tudo media, por amostragem, a cada dia. Com os dados numa folha assentados, somados, divididos, cruzados e calculados, a um percentual, ao cabo do dia chegaria. Hora de esperar, impaciente, eu mais que o gerente Alvarenga pra tudo conferir, e nalguma arenga, a dúvida dirimir e no caso de erro, não me eximir.

Mas pouco durou, não mais que um verão, aquele idílio dum pre-operário-padrão.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 26/01/2015
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