Vizinh...ânsia...

Quando o pomar da Companhia de Tecidos cedeu terreno para a construção da casa do Duca da Biluquinha, as bananeiras, frenteiras, é que foram sacrificadas. As laranjeiras e outras frutas cítricas menos semostradeiras, feito o cumquat, se mantiveram galhardamente brilhantes e inebriantes: mas nelas não se tocava. A Companhia é que mandava homens com sacos enormes, bem conformes, para as colher.

E, com a ereção rápida daquela casa amarela, sob o comando do mestre-de-obras Miguel Arcanjo, a nossa casa, de última, passou a ser só a penúltima da rua do alto do povoado de São Gonçalo do Brumado. Pelo menos, tínhamos agora, vizinhos de quintal de ambos os lados: os meninos do Vicente da Lia, e os meninos - e adultinos - do Duca da Biluca.

O Duca era carapina, que com sua mulher Vicentina, havia laborado prole numerosa. A caçula deles, a Ceição, já viu a luz na nova moradia. Devia ser a de número dez, naquela escadinha emparelhadinha. O Chico, cuja idade regulava com a minha, tornou-se logo o companheiro

e conselheiro de muitas aventuras e desventuras rueiras e quintaleiras. Com ele foi que aprendi grafar, com o indicador e o médio, o rastro de bezerrinhos, no chão enxarcado dos dias de chuva. E mais coisas do arco da velha sabia o Chico ao narrar com a didática de um menino de seis anos, como as vacas eram 'inxertadas' e 'purduzia' as suas crias.

Eu tinha o conforto da boa atenção - e de ter só cinco anos.

Terezinha já era insinuante mocinha - e apaixonada, vivia extravasando toda a sua alma romântica, feito um rouxinol, enquanto trinava 'O Lencinho Branco' - e batia e 'trucia', no tanque, a rouparia. Libertad Lamarque se a ouvisse, teria arrepios e calafrios, de puro envidiar, te lo garantizo.

Mas não vou me estender aqui por toda a irmandade ducal, tanto pela falta de maior exposição, e conhecimento - já que a Julica tão clarinha, de tanto 'barrê' a casa, mal chegava a janela pra gente vê mais ela, o Tonho vivia atrás dos passarinhos, Luzia, a Loda, era então muito novinha, e os outros todos já trabalhavam fora, e daqui eu vou-membora.

Mas antes, uma lembrancinha do Duca ele que era tão esquivo aos encontros frontais, por aquele olho azul, mortiço, ou pela calvície que avançava avassaladora. O certo, contudo, é que ele era um herói sobrevivente, consoante narrava a filha mais velha, Teca, toda orgulhosa: Duma feita, trabalhando no topo de uma construção bem alta, assim como aquela chaminé, que tinha lá na fábrica de tecidos, o pai caíra e, a meio caminho, só se salvara, atracando-se num travessão providencial. Foi quando furou o olho, mas salvou a vida.

Quanto ao inseparável boné, recuperou-o logo, já no chão, bem salvo, e em pé.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 09/01/2015
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