O NATAL DOS SONHOS DE UM SONHADOR

Inicialmente, apresento-lhes o personagem principal deste conto: o “sonhador”; ele transcende todas as barreiras de separação, ele afugenta todas as manifestações de orgulho, de brilho opaco do existir, ele miscigena todos os matizes do viver harmonioso, da vida pulsante, do ser maravilha.

Quem é o sonhador? Sou eu, que neste momento escrevo este conto, maravilhado com o meu existir; é você, que me orgulha muito, ao tirar um tempinho do seu correr diário para lê-lo; somos todos nós que lutamos cotidianamente, ombro-a-ombro, com honradez, com a defesa da justiça de forma incondicional, que busca o sentido Divino como condição de vida, enfim todos os seres humanos que vivem em sintonia com a paz, com a razão, com o sentimento de respeito à vida, ao próximo, ao seu irmão.

Na noite de 24 de dezembro, o “sonhador” fechou os olhos, mergulhou na imensidão do universo, testemunhou imagens e paisagens de um branco brilhante, com uma floresta de árvores cintilantes e de tamanhos variados, animais de peles grossas e chifres enrolados puxando pequenas carroças que deslizavam sobre a grossa camada de neve, Senhores de cabelos e barbas longos e brancos também faziam parte da pintura emoldurada.

O “sonhador” continuou a sua viagem e constatou a fabricação de uma imagem do natal moderno baseada num consumo frenético e efêmera fraternidade, onde campanhas publicitárias arquitetam uma pseudo felicidade, vendem um produto que não pode ser comercializado, mas mesmo assim passam adiante esse artigo – tão raro e disputado no mercado -, e aí proporcionalmente e rapidamente quanto foi vendido, foi consumido e, no dia seguinte seus consumidores acordam com a ressaca de uma bebedeira concebida e concedida a todos, e melancólico o “sonhador” percebeu que também bebera daquela bebida, mansamente e fartamente oferecida.

O “sonhador” também é partícipe de uma artificial encenação de natal feliz: amigo oculto, secreto ou algo do tipo; muita comida, que ironicamente e paradoxalmente, falta a tantos irmãos espalhados nessa terra colossal; confraternizações e mais confraternizações, tudo isso é legal? É claro que sim; troca de presentes entre amigos, sem que haja a troca de afeto, de respeito, de amor fraternal; apelos e mais apelos de poderosos grupos de comunicação, que sem sossego buscam a disseminação de uma situação de bem estar, de felicidade, de harmonia, quando na realidade para que tudo isso aconteça, fecham-se portas importantes do cotidiano, portas fechadas para a verdadeira face da realidade humana.

O “sonhador” sofre um ataque de egoísmo do seu imaginário e delineia o natal como sendo: uma fábrica gigante de brinquedos; uma enorme estrutura fabril de roupas, tecidos, artefatos de toda ordem e para todas as necessidades; um grande celeiro de alimentos capaz de alimentar a todos, de forma satisfatória, igualitária; um mundo essencialmente fraterno, onde todos os gostos, todas as crenças, todas as ideologias, todas as raças fossem respeitadas e consideradas como uma única; um mundo em que todos os dias do ano de: 1 de janeiro a 31 de dezembro, fosse comemorado o natal, onde ao se olhar para o irmão, víssemos a nossa imagem, a imagem do amor, da caridade, da doação, onde não houvesse espaço para a intolerância, para a disputa de faixas territoriais e existenciais que fisicamente, são consagradas como impossíveis de se conquistar ao mesmo tempo; para a imbecilidade, para o desamor.

Inebriado de desejos e pensamentos impossíveis de acontecerem, principalmente diante do modelo vigente em nossa aldeia global, o “sonhador” se entrega ao êxtase de suas cobiças, e cambaleando de sofreguidão encontra o repouso justo e esperançoso dos sonhadores. Eita bicho pai d’égua esse “sonhador”!