A gente do Duca

Quando o Duca chegou com seu pessoal, nossa casa passou a ser a

penúltima do lado de baixo da rua do Quenta-Sol. Do lado de cima, a de

Nita e Tõe Pinto e sua inumerável prole continuou a ser a última.

Por remota que seja, continua na minha cachola a memória da construção da casa do Duca. O lote não era inteiramente vago: constituía o pomar da Cia de Tecidos, a que chamávamos comumente de "a Companhia". Miguel Arcanjo, o mestre de obras, viera com sua turma do distrito sede municipal da Velha Serrana. Dava e via cumpridas suas ordens como o xará divino, com a diferença de ser moreno e usar mais a voz do que a espada.

E as bananeiras que ocupavam a frente do pomar se foram logo, e a ereção da casa se deu num piscar d´olhos, ou numa porção deles, pois a poeira da movimentação era intensa. O pomar conservou contudo sua majestosa intocabilidade na metade dos fundos do lote: laranjeiras predominavam. Diferente em quase tudo de nosso quintal onde a variedade abundava. Era mangueira, abacateiro, parreira, bambuzeiro, canavial, limoeiro e mesmo a sidreira; e isso sem contar o galinheiro, o paiol, a casinha da cisterna e até as cobras que pareciam gostar mais de nosso terreiro.

E chegou o Duca, com dona Vicentina e a perrada de filhos, alguns adultos até. O Duca provinha de alguma roça vizinha, era carapina da Companhia e alguns dos filhos já estavam empregados. Era uma gente nova pra nós, e portanto, diferente. Até na cor da pele, pois eram rosados, dos cabelos negros. Só a Julica, mocinha, é que destoava da tropa, mais clarinha, contrariando sua irmã Terezinha, morena que valia a pena. Julica cuidava de dentro da casa e Terezinha, de fora. Lavava roupa sem parar. E que gosto dava ouvi-la feito um rouxinol cantando o Lencinho Branco. Teca, a filha mais velha, ou seria a Maria, ficava mais pra dentro da casa também. Era ainda a mais rosada de todos.

Ao cair da tarde, no meio da rua, gostava de contar histórias, geralmente narrando os feitos do pai. Num desses capítulos, me lembro bem, o homem teria caído de uma chaminé, mas teve a sorte de encontrar e se agarrar um barrote entre a suma altura e o estatelamento no solo.

Menininhas ainda, eram a Luzia, chamada Loda, e a Conceição, a caçulinha. Do lado dos varões havia o Zé, já homem feito, o João, moço com certo trejeito, o Tõe, e o Chico, o mais novo, que comigo regulava, que veio a ser meu companheiro de folguedos, e conselheiro com seus muitos segredos. Ensinou-me por exemplo que uma vaca "purduzia" depois de se "inxertada", e coisas de semelhante relevância e revelância para uma sadia infância.

Memorável foi o episódio do casamento, da filha Maria, com um rapaz do

povoado, Fábio, por sinal nosso aparentado, de quarto ou quinto grau. Não me lembra se fomos convidados ou não. Mas deu pra ver muita coisa, de nossa janela, o movimento na casa vizinha e até o pote de doce de leite que tanto adoçou nossa imaginação. Ah, essa gente do Duca, do baralho é que são.

Kathie, que poesia poreja, verseja, e educa:

Teus contos são 'Duka'\\

Ralho contigo se não contar\\

Porque os contos enchem a cuca\\

E me fazem viajar

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 09/12/2014
Reeditado em 09/12/2014
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