Passeio suburbano
Fomos à casa do Rafael. Morava um tanto afastado do povoado de São Gonçalo do Brumado, margeando a linha-férrea, num casario singelo e espaçado, que a gente chamava de Pitaceso, originado de pito-aceso,numa alusão apropriada à tênue, e trêmula, iluminação do
lugar.
Mas era de-dia, e carência de luz nem havia. Acompanhávamos as duas tias naquela visita, que começou pelo saltitar de dormentes, pelo equilibrar na linha, pelo inalar do cheiro penetrante da erva cidreira que se plantava junto à ferrovia - e tudo sob os protestos das tias, sempre judiciosas e peremptórias com relação ao 'pirigo de ser pego pelo trem`. Por fim cansaram-se elas dos conselhos, e nos cansamos nós das insinuações de travessura, sob aquele sol escaldante.
E quão benéfica foi a chegada, apesar dos cadeiras e do banco terem sua lotação mais que esgotada. O Rafael, nem sei o que fazia, se não é que de vender lenha vivia. Mas a sombra, as duas meninas do hóspede, que eram colegas de minha irmã Bebel, prenunciavam aconchego.
Contudo, as atenções nossas convergiram em torno da avó das meninas, uma senhora cega, que se jactava de sua serventia na casa: catava feijão. Vimos lá um peneira cheia deles e ela, diligentemente ia passando a mão e separando as pedrinhas e outras impurezas, numa agilidade de dar inveja nos dotados da visão. E tudo isso, enquanto conversava, distraía os visitantes, naquele piso de chão, sem depois nem antes, mas varridinho de dar gosto.
Até que surgiu na porta da casa vizinha, aos nossos atentos e curiosos olhares a figura cambaleante, e não menos curiosa, do menino da cabeça exageradamente grande, de quem tanta gente falava, mas que pela primeira vez víamos: o Cabeção do Pitaceso.
As tias buscavam refrear nosso espevitamento, dizendo que era pecado olhar, que a gente podia ser castigado por Deus, que não podíamos caçoar da infelicidade daquele menino desengonçado - que só parecia querer companhia.