O Poder do Cabelão
 
 
Duda era a atração da academia.
Com um cabelão digno de qualquer banda de rock, dava aulas de manhã até à noite: abdominal, localizada, alongamento e o que mais quisessem que ele ensinasse.
Suas turmas viviam cheias. Uma mistura de mulheres de todas as idades, estados civis e intenções.
Por acaso caí em uma destas aulas. Um desconto especial, somado ao fato de que a academia ficava ao lado de casa, me convenceram a retomar o projeto anual do milagre da academia.
Já de cara conheci a figura. Além do cabelo loiro que batia na cintura, Duda, um cara baixo que vivia sorrindo não só com a boca mas também com os olhos claros, se movimentava feito um alucinado em meio às mulheres que tentavam desesperadamente chamar sua atenção.
De cara, também, gostei de ver a cena.
Garotas faziam de tudo para serem notadas: roupas coladas, frases sussurradas e movimentos exagerados para demonstrar que faziam jus a um olhar a mais.
Mulheres mais velhas eram mais contidas. Umas pela idade, outras pela aliança que carregam no dedo ou simplesmente porque viam Duda como um menino, afinal, podia ser filho delas!
Hum... Invariavelmente eu pegava uma e outra com os olhos pregados nele e diferentemente do que acontecia com as mais jovens, faziam comentários censurados sobre ele no vestiário.
Eu? Estava imune a qualquer suposto encanto dele.
Primeiro, porque não existe “meia” fidelidade para mim (e isto inclui até as “olhadinhas” mais inocentes).
Segundo, porque sempre desconfiei de homens que se exibem e se adoram. E terceiro, porque eu não via absolutamente nada de especial em Duda, exceto o fato dele dar aulas com aquele cabelão todo solto parecendo um doido.
Já, o frenesi que ele causava durante as aulas, isto sim me atraía.
Eu repetia os exercícios mecanicamente a base de muito sofrimento com minha forma física discutível, mas, entre um abdominal e outro, tentava entender a reação das minhas colegas de aula.
Em pouco tempo ele ficou meu amigo. Talvez porque alguém tivesse comentado com ele que eu dava aulas de meditação ou talvez porque o meu cabelo era maior, mais encaracolado e sem modéstia, bem mais bonito que o dele.
O fato é que algumas aulas depois, trocávamos informações sobre xampu, condicionador e cremes para pentear.
Cheguei a pensar que Duda queria ser mulher ou cabeleireiro tamanho era o conhecimento e interesse dele por qualquer produto capilar. Ele sabia tudo: fabricantes, embalagens, quantidade de sal, de queratina, enfim... coisas que eu jamais imaginaria.
Mas ele não queria. Queria ser dono de academia e tinha namorada, quase noiva. Tudo aquilo era porque ele amava o cabelão.
Amava, não! Vivia em função dele! Adorava!
Confessou isso em uma tarde logo após a aula de spinning enquanto tomávamos uma gororoba que ele chamava de suco verde.
Era louco pelo cabelo.
Com ele se sentia especial, até um “pouco mais alto” falou em meio a um sorriso debochado. Eu ri também e concordei porque meu cabelo, de certa forma, sempre exerceu um poder estranho sobre mim.
Fiquei na academia pelos seis meses seguintes e no intervalo das aulas, conversávamos sobre tudo, desde as investidas das mulheres, às brigas com a agora “noiva” e obviamente sobre o último lançamento para cabelos.
E então eu tive que deixar a academia. Havia passado em um concurso público e seria mandada para outra cidade. Nos despedimos prometendo trocar figurinhas por e-mail sobre qualquer coisa nova e legal para o cabelo.
Fiquei fora por quase um ano e neste tempo todo, jamais trocamos um e-mail sequer. Assim que pude, voltei para uma visita na academia.
Entrei na mesma sala à procura do cabelão saltitante, mas o que vi, me chocou: sentado, flexionando os braços com pesos minúsculos, estava Duda. Levantou os olhos assim que me viu e reagiu diante da minha expressão de espanto.
O que aconteceu?
Ele sorriu sem graça, largou os pesos e passou as mãos pela cabeça que brilhava.
Contou sem jeito que uma doença causara a queda do cabelo e para não perder tudo cortara bem curto já no início. Mesmo assim, a calvície havia vencido.
Depois disso não se recuperou, falou em tom de brincadeira. “Aquele cabelo era tudo para mim, olha só como estou!”
Magro e sem os músculos que antes exibia com orgulho, tentou ser mais uma vez o cara que eu tinha conhecido.
“Que tal me dar um pouco do seu cabelo – perguntou sem graça.”
Eu não respondi. Sorri compreensivamente, falamos algumas besteiras, perguntei sobre as aulas e fui embora.
Ele continuou lá, olhando fixamente para o chão enquanto movimentava mecanicamente os pesos.
Nunca mais vi Duda depois daquele dia.
De vez em quando penso em visitá-lo, mas logo desisto.
Fiquei sabendo que ele não dá mais aula, está totalmente careca, terminou com a noiva e entrou para uma seita esquisita.
Meu cabelo continua comprido, mas fico na dúvida se teríamos algo para conversar sobre isto.
Às vezes penso no assunto e em quantos Dudas já conheci. Pessoas que têm um auge na vida, que se estruturam em cima de um corpo, um rosto e no caso dele, um cabelo. Aí, o tempo passa, a aparência muda e o mundo desaba.
Pensando bem, acho que Duda não é um personagem tão incomum assim.
Quanto a mim, no fundo no fundo, apesar de não ser refém de nada do meu corpo, fico aliviada por ser mulher e ter poucas chances de perder meus cabelos.

Deus que me livre!
Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 17/09/2014
Reeditado em 17/09/2014
Código do texto: T4965303
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