Fidalga na Câmara Municipal (série mini contos)

A senhora ficou parada no umbral da porta escancarada da Câmara Municipal, indecisa, sem jeito de entrar.

O rapaz da recepção ficou observando a mulher bem trajada, trazendo na face, ainda, traços de uma beleza que só as mulheres maduras conseguem... Como o vinho: maturação para se alcançar o primor da qualidade...

Os olhares se cruzaram, repentinamente, fugazmente, o bastante para que ela demonstrasse insegurança entre adentrar ao recinto agradável em seu frescor ou ficar do lado de fora sentido as baforadas do ar quente, que o início da tarde emanava.

O semblante do recepcionista adquiria trejeitos, entre, benevolência contemplativa e desejo tácito para que aquele belo exemplar de fêmea se aproximasse. Não entendia por que a dúvida, manter tanta distância... Medo, talvez? Sabe como é, prédio novinho, “chiq no úrtimo,” pode inibir quem entra de primeira... O fato é que lá estava a bela e elegante mulher, quase estática, tão somente bamboleando levemente os quadris, como quem quer se desvencilhar de algum incômodo, naquela dúvida atroz... Entra ou não entra?

– Moço! Posso falar com o vereador... Sua voz fluiu aos ouvidos do servidor com tal delicadeza, que ele derreteu-se todo... .

– Claro! Adocicou a voz, fazendo o gesto tradicional de que a entrada para ela estava liberada, e, completando o teatro com uma leve reverência, qual súdito respeitoso servindo sua rainha.

Ela saiu do seu ostracismo e entrou, quase que em desabalada carreira, para espanto do rapaz, que não entendeu patavina daquela entrada tempestiva, sem um agradecimento, nem um olharzinho sequer... Ficara tanto tempo encruada na porta, olhando para ele, que tinha achado....

– Puta que o pariu! Saiu o palavrão impensado, de desabafo, da boca do rapaz, enquanto pulava da cadeira, tapando o nariz e fugindo dali, como o diabo foge da cruz!

Tudo se esclareceu tão somente pela evidência dos fatos...

A imponente fidalga entrou galopante pensando em desfazer-se dos ”peidos” que soltara à porta da Câmara Municipal, por isso toda a simulação. Só não contava é que os gases só foram liberados das suas vestes quando começara a andar, turbilhonados pelo ar deslocado, fazendo um rastro de fedor insuportável em todo o seu trajeto.

Disseram as más línguas, que o trânsito, no corredor, por onde passou a tal senhora fidalga, ficou interrompido por um bom quarto de hora. Como diz o ditado... Belas embalagens também armazenam produtos estragados.

OSWALDO DE SOUZA
Enviado por OSWALDO DE SOUZA em 22/08/2014
Código do texto: T4933255
Classificação de conteúdo: seguro