grafites

O vento na calçada, em passos apressados, chuta latas e atropela cães e gente que o enfrenta, e alisa a pele da menina que o beija, e não se despede de nada, despido, segue, alísio.

- eu queria que sentisse meus sentidos, que os meus calafrios te abalassem e causassem rachaduras na pele de pedra e concreto e tinta artificial; que o brilho do meu olho fizesse você entender que a luz do sol se desintegra a cada dia e que não temos mais que alguns zilhões de anos pela frente; que nada vai ficar gravado na tua pele, tudo vai queimar na tua pele de pergaminho de Alexandria; nada vai ser compreendido quando desenterrarem meus ossos de uma biblioteca lítica num deserto do Peru no século passado –

A mochila, mochila de colegial que está no segundo ano “B” do segundo grau imediato de algum contato intergaláctico indisciplinado, mochila pesada que carrega um mundo de coisas sem importância dentro, e só um caderno com um único nome escrito e re-escrito sobre si mesmo, mochila que ninguém se desfaz e fica nas alças da alma até que um dia se percebe que ela ficou esquecida ali, embaixo da carteira; Há um lugar que todos sabem, ali se pode deixar ela escondida; é sob aquelas folhagens no terreno baldio; depois dá pra ir embora e existir até o último raio de estrela.

- eu queria ler aquele texto e te dizer que ele entendeu o que eu entendi dele; queria que aqueles números explodissem as janelas e saíssem voando e entrassem em cada loja, posto de gasolina, cozinha ou campinho de futebol e pegassem no pescoço de cada ser que encontrassem pelo caminho e dissessem “me esqueça, você nunca deveria ter me conhecido, me esqueça!”; eu queria ser um poeta; eu queria ser um simbolista, e te adornar de amores e você nem notaria as flores –

As latas já estavam todas amassadas, todos os cães já haviam aruaçado o dia em cada calçada, e o sol já sido atropelado; os arbustos estavam lá, mas a mochila não estava. É mais explicação, mais retórica e preparo metodológico para o futuro que virá em carreira solo; mais curso de discurso do mesmo disco, e aprendizagem pra vida; isso é fácil; mas como escrever novamente aquele nome, daquela mesma forma antes nunca escrita, sem uma gota de tinta sequer...

Henrique Pitt
Enviado por Henrique Pitt em 14/08/2014
Reeditado em 15/08/2014
Código do texto: T4922030
Classificação de conteúdo: seguro