Prisioneiros, Ou Sobreviventes?...
Prisioneiros, ou sobreviventes?
(narrativa)
Dramas e mazelas da cidade grande...
... Da janela de minha casa (eu Clóvis) posso ver o movimento, os transeuntes na rua, os carros, bicicletas, motos, carroceiros, ... Muitos pedestres, e principalmente a rapaziada que vem em busca das sombras das mangueiras e do ingazeiro à beira da avenida... Só para enrolar um cigarrinho de maconha, e fumar... Eles vem fumar maconha, cheirar cola, conversar bobagens,...Tossir, tossir,... Às vezes entram em convulsão! Passam mal,... Muito mal.
... Infelizmente temos, eu e minha família que assistir tudo isso de camarote. Vou lá, ofereço ajuda, um copo d’água, talvez. Pergunto se o rapaz está bem, se aceita que eu faça algo por ele, tento ajudar, ser útil de alguma forma, porém, nada adianta!... Aparecem duas viaturas da polícia... Montam um cerco, então não há como escapar!... Não tem para onde eles correrem. Os policiais os abordam com socos e ponta pés, xingam-nos, derrubam-nos ao solo, pisam em suas cabeças,... Tomam-lhes a maconha ou a cola, ou ainda alguns pertences, às vezes até fumam maconha com os mesmos, espancam-nos e depois de algum tempo vão embora levando celulares, dinheiro ou outros objetos de valor subtraídos aos mesmos.
... Da varanda lá de casa vejo quando um policial põe maconha ou coca nos bolsos dos rapazes, só para os incriminar,... Prisioneiros do vício?.... E, tudo recomeça em um outro dia. Aqueles rapazes são prisioneiros do seu vício, de sua condição miserável, sob uma vida de privações que se arrasta por anos a fio... São muitas as vezes em que temos que assistir esse espetáculo deprimente, pois ao lado da propriedade tem essa avenida bem larga e grande que é um corredor, um pouco deserta, pois é caminho da parte central da cidade em direção aos bairros mais afastados.
... Somos também prisioneiros, em uma chácara sem saída, só tem a entrada... Nós somos uma espécie de reféns, nem sei de quem ou do quê!... Talvez de nossas próprias mentes,... Só temos que ficar olhando a paisagem caótica de um lugar em decadência. É uma cerca velha de balaústre, uma casa velha, caindo aos pedaços, uma vegetação morta, seca, onde dá para assistir sem muito esforço todo aquele movimento... Rapazes tão jovens! Desocupados, drogando-se por falta de perspectivas na vida vazia! Vadia...
Nós do lado oposto àquela cerca, também sem perspectivas, querendo sair, ir para outro lugar, buscar um futuro melhor, uma vida menos tediosa com um pouco mais de vida talvez... Passam-se semanas, meses, anos... Continua tudo igual!... Nos fins de semana repete-se a mesma rotina. Somos só os caseiros daquela chácara!... Más, fico pensando... Eu e minha família somos também prisioneiros da nossa condição de simples chacareiros. Aos domingos, assim como em dias feriados e, nos outros dias também, não saímos dali, não arredamos pé! Não temos para onde ir, nem parentes, nem amigos, ou vizinhos! Estamos presos.
Ou entre as cercas da propriedade, más também da nossa própria pobre condição miserável de sobreviventes e só! De uma vida que não nos dá a mínima condição... Ou se quer o mínimo de conforto e, ou condição material. Não temos casa para morar, só nos resta ficar na chácara, morando em condições subumanas somente para ser-lhe seus meros guardiões! Sem direito a sair e ir para o nosso cantinho! Sabe?... Aquela casinha modesta!.... Más, que fosse só nossa!... E,... Nos sentir gente de verdade! Já que o que ganho, dá somente para as mínimas despesas e, passar apertado o resto do mês... E o ano todo!... Então!... Me vem ao pensamento!...
Será que aqueles rapazes também não são meros prisioneiros ou sobreviventes de uma vida de pobreza e privação, e só lhes resta o refúgio na droga e se conformar em levar a vida apenas sobrevivendo?....
Esta narrativa refere-se a um fato real, Clóvis é o nome fictício do narrador da mesma. Obtive permissão para a narrativa sem identificar os personagens.
Obrigado!...
Este texto encontra-se publicado na antologia “PALAVRA É ARTE”, edição 25ª pg, 51. 2013 pela CULTURA EDITORIAL de Salvador.
Arnaldo Leodegário Pereira.