O colhedor de frutos...
Já se passaram quatro anos da separação definitiva do casal, aos olhos dos homens. Durante o estágio do casamento, parecia não haver lugar
definido para aquela mulher sensível, de gosto artístico, e sorriso jovial. Como gostava de desafios, aceitara casar-se com um homem mais velho, sua experiência e cultura a atraía. Na vigésima posição das esposas que já passara por ali, sabia que seria uma união por conveniência; não existia amor, ainda.
Nada se trocava na casa bem cuidada; exceto o colchão da cama do casal, para cada nova esposa, um colchão novo.
Quem ensinaria mais a quem durante os três anos do relacionamento?!
Tudo girava em volta dos empregados, à vida era um cardápio e havia agendas a cumprir. Não era permitido nenhum serviço à bonequinha de luxo, para poupa-la não sei de que?! E assim eram os seus dias, quase sem privacidade.
Costumavam viajar para um condomínio de luxo na serra, o frio os aproximava, sem nenhuma interferência, o convívio era mais leve.
Ali havia vida de verdade... aquele homem deixava de lado o seu jeito austero para transformasse num menino e era essa a sua beleza. Estimulado pela esposa que o fazia falar, já que era tão calado; às vezes reclamava por ela perguntar demais, por cantarolar canções infantis e sorrir livremente até de si mesma. Assim era o seu jeito de provocar reações, para descobrir a pessoa que se escondia naquele corpo bem cuidado, porém tirano.
Certa vez se mostrou sensível e confessou que já não sonhava mais. A esposa aproveitou e disse: toda pessoa tem uma história e seu lado bom, você não é diferente.
Quer contar a sua? Ficou pensativo... Lembra-se de sua mãe? Sim. O que ela fazia? Parou. Depois de alguns segundos voltou a falar: lembro-me de meu pai, tinha muitos amigos e distribuía as verduras e frutas que colhíamos de nosso quintal. Era um homem muito exigente. Com uma amargura no tom do falar, continuou: não tive amor, só trabalhava; minhas irmãs... teve uma que infernizava a minha vida, a outra não, me dava dinheiro para entregar as suas costuras e não deixava os outros me baterem. A esposa o interrompeu e disse: veja, você foi amado por ela, ninguém passa nessa vida sem ao menos ter sido amado por alguém.
Um leve sorriso se fez no canto de seus lábios.
Aquele homem tinha posses, mas era infeliz, desaprendera a amar distanciando-se da família. Foi um processo trabalhoso para religa-lo, mas com êxito.
O casal passou a viajar mais, a esposa gostava desse lado bom que ele não mostrava em seu dia a dia no lar, construíram uma bela amizade degrau por degrau.
Chegavam sempre à noite para desfrutarem do friozinho da serra, tomavam uma sauna, ficavam cantarolando antigas canções. Ele até brincava quando ela conhecia a canção, e falava: Você nem era nascida, como conhece essa música? Sabe, se você não existisse eu mandaria te inventar.
O amanhecer também era prazeroso, passavam horas colhendo flores, pimenta de cheiro e frutos do lugar. Como ele gostava de colher as acerolas e degusta-las ali mesmo, passava mais tempo em sua árvore preferida, colhiam também laranjas, cerejas e goiabas, pareciam crianças no pomar. O chalé ficava todo enfeitado de flores, vida por toda a parte... a pimenta soltava um aroma delicioso frita no azeite em que ela usava para o molho no almoço. Nunca perdia a oportunidade de criar algo especial para ele.
Já cansado, deitava-se para um cochilo enquanto ela tocava flauta na varanda. Depois de algum tempo, acordava-o com o aroma do doce de goiaba inebriando o ambiente, era uma verdadeira delicia.
Fins de tarde, quase noite, passeavam por toda a alameda do parque, desfrutando o perfume dos eucaliptos que cercavam a área.
Iam para os balanços, brincavam olhando a lua e fazendo preces cantadas.
A harmonia só se quebrava ao voltarem à realidade do lar.
Seus bloqueios foram aumentando, tornara-se uma pessoa briguenta, negava-se aos encontros com o psicoterapeuta, rompeu com o casamento, passou a viver solitário novamente. Tempos depois, uniu-se a uma outra pessoa... como dissera certa vez, perdera o élan, o encantamento acabara... será?! Ao despedir-se dela na porta do quarto no dia de sua partida, seu coração gemeu de dor. Estava arrependido, mas o orgulho o impediu de pedir que ficasse.
Contam que, quando encontram-se ao acaso nos consultórios médicos, se abraçam, sorriem e se olham profundamente, num reconhecimento de referenciais de amigo a amigo.