Classificados ( O homem de lugar nenhum)

Classificados (Ou o homem de lugar nenhum)

Por Fellipe Moscardini

O homem entra no Le Café Minuet e senta-se no primeiro lugar vazio que vê. Olha para os lados, abre o jornal, e fica imóvel olhando o infinito dos classificados. Sem perceber o que está lendo, segura o objeto com a intenção que tudo pareça normal. Encara as letras e os números espalhados pela folha cinzenta com olhar melancólico. Levanta o jornal um pouco acima dos olhos para que não percebam o sorriso que desabrocha em seu semblante. Uma lágrima repentina escorre por sua bochecha seguida de outras lágrimas que descem pela sua face como uma corrida de gotas de chuva sobre uma janela qualquer.

“Em breve tudo ficará bem.” Ele pensa serenamente.

Ainda imóvel com as lágrimas descendo pelo rosto sente uma presença feminina parar ao seu lado. Fechando o jornal rapidamente, limpa o rosto com a manga de seu terno, e olha para a garçonete que o encara com notável compaixão.

- Está tudo bem, senhor? Posso lhe ajudar?

O homem mantém o olhar fixo na garçonete por alguns instantes, perdido em seus mais profundos pensamentos. Ela tenta desviar o olhar e sua compaixão transforma-se em um leve desconforto. A moça produz um sorriso tímido e sem graça enquanto o homem a encara com um olhar frio e moribundo.

- Senhor? – pergunta a moça outra vez.

- Um café, querida. – o homem diz apressadamente. – com uma fatia do quiche de queijo, por favor.

A compaixão retorna aos olhos da moça e dessa vez ela sorri verdadeiramente. O homem retribui o sorriso da moça com dentes amarelados pelos mais viciosos dias de fumo.

- Sem problemas. Volto em alguns instantes com o seu pedido.

O homem respira fundo e sente uma eufórica falta de ar dominar seu peito. Quanto tempo que não se sentia tão feliz! Pensou em sua vida, dividida em momentos difíceis e gloriosos. Respirou fundo outra vez, colocou o jornal sobre a mesa, mas dessa vez não conseguiu soltar o ar. Como conseqüência, projetou uma tosse estrondosa para fora de sua boca. O homem não teve tempo de colocar a mão para cobrir o desastre de saliva e catarro que saltava sobre o jornal e a mesinha de ferro. Tossiu por alguns segundos – ou seria uma eternidade? – até que finalmente agarrou um guardanapo de pano que estava sobre a mesa e cobriu a boca desesperadamente. Sua garganta ardia e queimava como se estivesse em chamas quando notou que os poucos clientes do estabelecimento, juntamente com os atendentes o analisavam com atenção e repulsa.

- Prontinho, senhor. – disse a garçonete sorrindo, desviando a atenção das outras pessoas no local. – O quiche acabou de sair do forno.

A garçonete colocou cuidadosamente a xícara e o prato com quiche sobre a mesa de ferro. Olhando para o rosto vermelho e confuso do homem, sorriu novamente. Pegou o guardanapo que estava sobre a mesa e disfarçadamente limpou seus lábios e queixo.

- Ana? – o homem disse em voz muitíssimo baixa.

A mulher soltou uma leve gargalhada, mostrando seus dentes brancos e olhou para o desgastado brilho esverdeado nos olhos do homem, confusa. Colocou uma mão sobre o seu ombro e retirou-se.

A euforia voltou à todo vapor, consumindo todo o corpo do homem enquanto as lagrimas ensopavam seu rosto e pingavam sobre sua gravata vermelha listrada. As pessoas no local já não notavam mais a sua existência. Sem dúvida era o dia mais feliz de sua vida. Levantou-se da mesa, olhou para os lados, ajeitou o paletó, secou o rosto com as mangas e caminhou até o caixa olhando para o seu relógio de pulso. 15:23. Sorriu e encarou o atendente atrás do caixa. O homem sorriu falsamente e perguntou o que gostaria.

- Tudo está muito bem, obrigado.. – respondeu o homem.

Tirou a gravata, jogou-a no chão, e lentamente desabotoou a camisa branca de seda. O atendente tentou perguntar o que estava acontecendo quando outras pessoas começaram a olhar para a estranha cena que acontecia diante ao caixa. O homem de terno sorriu e abriu a camisa com as duas mãos. Lágrimas brotavam de seu rosto enquanto um sorriso apertava os cantos de seus olhos. Por baixo de sua camisa havia um colete preto, com pequenos bolsos ocupados por objetos avermelhados que lembravam pequenos tijolos. Na mão esquerda do homem um pequeno celular era pressionado pelo seu polegar. Alguns segundos se passaram sem nada acontecer.

- Ana... – disse o homem fechando os olhos pensando sobre o infinito que o aguardava. Pressionou o botão novamente, quando finalmente explodiu.