Próximo ao Portão
Esse cara. Eu conheço esse cara. Ele está sempre por aqui incomodando. Ás vezes está bêbado. Às vezes passa gritando, berrando coisas sem sentido. De vez em quando eu até deixo passar, mas na maioria das vezes não dou a mínima abertura para esse sujeito. Outras vezes, alguém me dá uma mão. É preciso um empurrãozinho para que eu possa fazer a minha função: não deixar pessoas indesejadas entrar.
Não vou mentir – às vezes cansa! – Já imaginou ficar aqui, hora após hora, dia após dia? E assim se passam semanas, meses, anos? Não, não é fácil não, meu amigo. Mas não adianta: bom ou ruim, faça chuva ou faça sol, essa é a minha função. E não posso reclamar. Quantos estão por aí, inúteis, sem serventia? Ainda bem que posso realizar o meu trabalho perfeitamente. Sei que tenho importância.
Esses dias o zelador falou a todos os porteiros que evitassem a entrada de animais. Ora, evitar a entrada de cães é fácil. Agora, como evitar a entrada de gatos, por exemplo? São animais muito ágeis e rápidos, esses felinos, sem falar que são pequenos demais, facilitando a sua entrada e mais ainda a sua fuga.
Apesar de tudo isso, esses dias consegui agarrar um. Mas acho que só foi possível porque ele era obeso ou velho demais. Ou os dois juntos, não tenho certeza. Mas o que importa é que eu não o deixei entrar. O bicho ainda deu uns berros de assustado, porém não tive culpa. Acho que ele ficou entalado e acuado. E as pessoas normalmente não gostam de ouvir animais com medo ou sofrendo. O que posso fazer? Cumpri a minha obrigação. Não é o correto a se dizer?
Já presenciei cada coisa acontecer aqui nessa entrada...
A avenida aqui em frente é muito movimentada e as pessoas estão cada vez mais ansiosas, apressadas, estressadas. Há pouco tempo atrás aconteceu um acidente feio aqui na frente, envolvendo três carros.Tudo fruto da pressa. Por pouco que não me envolvi nele. Era só o que faltava. Pela loucura e pressa dos outros, eu vir a me arrebentar todo. Passo longe, muito obrigado. Bastam os problemas que o passar dos anos vêm a nos causar.
Mas já vi também muitas coisas legais. Amigos batendo papo divertido e descontraído. Já vi casais concentrados somente na sua paixão, esquecendo o mundo à sua volta. Crianças brincando como se a vida fosse só coração e alegria. Já vi mulheres saírem grávidas e voltarem com um bebê no colo. Vi meninos despedirem-se de seus pais, irem embora e mais tarde retornarem homens. Vi crianças crescerem, casais se unirem, outros reconciliarem-se. Vi famílias unidas festejando. Vi mulheres vestidas lindamente para festa. Enfim, presenciei muitas coisas. Muitas coisas mesmo.
Às vezes me sinto velho, enferrujado, ultrapassado. Esses tempos percebi nos olhos do zelador que a minha hora de ir embora estava chegando. Que todos os momentos que presenciei, todo o trabalho que prestei para aqueles que aqui moraram ou ainda moram, ficariam para trás. Seria a hora de outro tomar o meu lugar. Mas o que fazer... afinal a vida é assim mesmo, não é?
Mas eu estava errado. Segundo a opinião de um especialista é só mesmo um pouco de ferrugem. Basta uma boa limpeza com querosene, passar um “fundo” de qualidade que eu, o velho portão do condomínio Avenida Cristóvão Colombo, ainda poderei presenciar muitas coisas interessantes e... inesquecíveis.
Lá vem aquele cara – ahh - de novo...