O AMOR E A LIDA

Amavam-se muito. Deveras. Casal modelo. Aonde ela ia, ele ia, se não ia, telefonava, perguntava, ia buscar. Ela, idem. Casaram-se porque não mais podiam viver separados:- Eu te amo por demais! Você é o meu sol, o ar que respiro, minha estrela-guia, a lua que me embala, a chuva que me conforta, o vento que me traz a brisa que te beija, até o trovão foi citado, meu coração bate como o rufar de um trovão, todos os elementos da natureza, toda a astronomia vinculada a esse amor, por aí andava o sentimento; flores, bombons da melhor qualidade, jóias, caixas de ferramentas made in Taiwan, tênis estrangeiros, maquiagem estrangeira, esporte estrangeiro, tudo, tudo, tudo o que facilitava o grande amor. E muito, muito, muito sexo, banhado com a luz do luar, elétrica, de holofotes, sem luz. Até que um dia, discutiram bobamente por causa de uma também boba promissória esquecida numa imponderável gaveta que nunca mais se abriu de vergonha, era uma gaveta tímida. Iniciou-se a discussão com pequenos tons, você me desculpe, não é para tanto, você chamou de alguma coisa, o que foi, meios tons, você está nervosinha, e você vive estressado meu bem, tons maiores, também sua mãe não para de telefonar, não bota minha mãe no meio da promissória, enormes tons, você está abusando da minha paciência, (boçal), o que foi que você disse, você tá desequilibrada, falei baixo, agora falo alto, boçal,boçal, burra, burra, frouxo, gorda, impotente, seu irmão é um crápula, e sua irmã roda a bolsinha, não fale assim da minha família ,quem tem um tio como você, um perdigoto aqui, um perdigoto ali, um cuspe no casaco Calvin Klein, uma cusparada na camiseta D.Karan, se engalfinharam, se socaram, estúpido, cretina, mulherengo, perua de terceiro mundo, a polícia foi chamada, aguardam o fim do processo do mensalão. São os próximos a serem julgados no STF. Coisas do amor. E da lida. E da promissória.