Vila do sossego
Era uma vez um mundo cinzento. Por todos os lados onde você olhasse, só encontraria fumaça. Os cigarros se consumiam lentamente nas mãos trêmulas dos sujeitos vazios. Os prédios desmoronavam. Tijolo por tijolo. Poeira. Por. Poeira. O sol dinamitava em cheio o asfalto quebradiço e as cabeças atormentadas. Em cada casa, pendia do pouco de teto que restava, uma corda. O nó carinhosamente apertado, a afável liberdade. A dura ilusão.
Mil anos antes eles acharam que aquela seria a jogada perfeita, o fim da busca infinita. A imortalidade. Mas hoje, via-se nos olhos exaustos de cada um deles que haviam cometido o maior erro da civilização.
O eterno era um fardo. Uma corrente cuidadosamente presa aos pescoços, uma correnteza de força inigualável que os refreia e puxa para trás.
Era uma vez um mundo cinzento onde cada respiração de cada pessoa em cada país; anseia por ser a última. Onde cada coração arde em desejos – pesados e penosos – de silenciar-se. Os cigarros não os afetavam mais. Eles queimavam e queimavam e queimavam. Nunca acabariam.
Numa madrugada qualquer, uma lâmina reluzia nas mãos de uma criança. O corte era profundo e a dor intensa. Mas nenhuma dor comparava-se à de abrir os olhos novamente. Olhar o mundo ao redor. Ver. Estar vivo. Sentir.
Às vezes as ruas se encontravam desertas e as prateleiras das farmácias vazias. Dormir era o único refúgio possível que aquelas pessoas haviam encontrado. A única maneira de silenciar – por um tempo – seus demônios.
Era uma vez um mundo seco. Onde os contos de fadas haviam sido esquecidos e a angústia era o mais comum dos sentimentos. Os cigarros gritavam por socorro e sua fétida prece era arrastada pelos ventos, mas não atingiriam nenhum ouvido. Era uma vez um mundo que comprara sua própria indestruição.