Muladeiro (capítulo XXVII)
Ao adentrar em seu quarto, Antonio não se deslumbrou com o que viu. "Parece o quarto de um bocó", pensou. A porta envernizada, combinava com a janela e com o assoalho, cujo brilho e asseio permitiam enxergar a si mesmo. A cama, protegida por uma colcha Madrigal azul, ficava encostada na parede, acoplada a um pequeno criado mudo, sobre o qual havia a bíblia sagrada, a imagem do Menino Jesus e um terço. A cortina, presa por um varão amadeirado, era em "voil" branco e liso, e sua dimensão cobria do teto ao chão.
Havia as iniciais "RT" esculpidas em cada uma das seis grandes gavetas da cômoda escura de madeira maciça, que estavam repletas de roupas para qualquer ocasião. A escrivaninha,colocada estrategicamente na parte mais clara do quarto, permitia que as pernas ficassem livres, pois não existiam gavetinhas para guardar quinquilharias, que se tornariam lixo, com o passar do tempo.
____ Nem me perguntaram se eu gosto disso tudo aí?, resmungou a criança, que olhava para o quarto, assim como quem olha para o nada.
Exausto com a viagem, sem ânimo para sair e conversar, Antonio deitou-se em sua nova cama, sem, ao menos, tirar os sapatos dos pés, mas não conseguiu pegar no sono, porque o som estridente de um latido entrava pela janela, perturbando-lhe o sossego.
____ Disgrama de cachorro! Daqui a pouco vou dar um chute bem no meio da sua barriga, e quero ver se ele vai latir de novo. Fica quieto cão dos infernos! - gritou.