Cão, o meu cachorro!
Galera dessa Faces & Bocas, com a minha ida para o interior, um pouquinho antes do início da adolescência, passei a me comunicar com um primo daqui de Salvador através de cartas e, nessa época, tínhamos em comum, embora não soubéssemos defini-lo nesses termos, um cachorro virtual. Seu nome era Cão!
Cão era um cachorro bastante excêntrico e cheio da grana que reinava absoluto nas viagens internacionais que imaginávamos para ele e... não, não, a gente não fumava nem cheirava nada não! Era tudo “de cara mesmo!”. Para tanto, devorávamos a Barsa, a Britânica e a Larousse Cultural; tínhamos sempre à mão bons dicionários e farta inquietação. Uma ou outra ocasião, rolava uma Olivetti ou uma Remington, mas na grande maioria das vezes, escrevíamos mesmo a lápis; máquina de escrever e até mesmo caneta davam trabalho para editar.
Em um determinado dia, Cão poderia estar em Bariloche; em outro, ou no mesmo dia, voava no seu jatinho até um restaurante dos Alpes Suíços para comer uma feijoada carioca feita por uma provável antepassada de uma dessas cozinheiras baianas que atualmente bombam no carnaval de Salvador; bastava imaginarmos, e lá estava ele, nos Cafés Parisienses, contando para os fregueses intimidades de Jean Paul Sartre com a Simone de Beauvoir, atravessando o Estreito de Bering em busca do “elo canino perdido” ou, simplesmente, fazendo o que os cães ricos fazem, ou seja, absolutamente nada!
As nossas cartas, por serem postadas de forma simples (porque assim ficava mais barato) levavam até oito dias para percorrer uma distância de trezentos quilômetros, o que só aumentava a nossa ansiedade. Quando o correio chegava, já tínhamos material para um mês de correspondência.
Não lembro que fim teve o nosso Cão, nem a nossa correspondência; nas idas e vindas das nossas famílias, essas cartas foram se perdendo e não consegui guardar uma sequer. Talvez, no caso do cachorro, o Alter ego de um de nós dois tenha aflorado de tal forma, a ponto de termos, um ou outro, “suicidado” o animal.