Vinho ruim nunca mais!
A taça, com marcas de dedos, estava quase vazia. Um vinho ruim, ácido e fraco era tão pobre quanto a conversa que não fluía.
Lá fora, o sol do fim da tarde não prometia absolutamente nada.
A noite, com certeza, seria tão sem sentindo quanto as últimas horas.
Eu não queria mais falar. Não queria explicar pela décima vez o que só tinha uma versão.
Estava cansada, entediada, com fome e nauseada por beber aquele líquido indefinido que remotamente lembrava vinho.
Um cachorro doente entrou no bar e me olhou faminto.
Tentei brincar com ele que, quando viu que eu não tinha comida, saiu sacolejando os ossos em busca de alguém mais interessante.
Até o cachorro se irritava comigo. Ri da situação e provoquei mais uma faísca de ira.
O resto da garrafa foi servido, e em meu copo além do vinho, havia agora partículas de um roxo esquisito.
Meu estômago embrulhou.
Não queria mais beber aquela porcaria, nem falar mais nada, nem pensar coisa alguma.
Na verdade, eu só queria sair dali. Andar um pouco pelas ruas movimentadas e respirar o ar pesado e poluído do fim da tarde.
Tomei outro gole do veneno e engoli mais meia dúzia de palavras que castigavam meus ouvidos.
“Eu estava mentindo, não tinha falado toda a verdade, onde tinha ido no dia anterior?”
Ouvi em silêncio controlando meu estômago enjoado.
Houve uma época em que eu teria tentado explicar, argumentar, qualquer coisa... Agora já não fazia sentido. Eu já não queria nem pensar a respeito.
Continuei ouvindo a enxurrada de agressões metodicamente temperada com tons de indignação.
“Se ao menos eu tivesse um pingo de vergonha na cara...”, foi a frase de efeito que me tirou daquele estado de letargia. Lembrei de um filme antigo onde um homem pisava em flores feitas de tinta.
Imediatamente fugi para aquele quadro colorido. Um cheiro de lima no ar, mares azuis e céu em tons de laranja.
Os olhos de raiva me chamaram a atenção novamente e vi que acompanhavam a bocarra que abria e fechava em um ritmo que fez pensar em túnel negro muito enfadonho.
Pensei em boa música, perfumes, pratos saborosos, vinho de qualidade....
A mesa vibrou e me trouxe de volta em tempo de ver a mão fechada que subia e descia.
Com um sorriso que deve ter parecido com descaso, fitei meu agressor sem ouvir coisa alguma. Na minha imaginação, eu só queria um sorvete de pistache e o melhor livro de todos os tempos.
Saí do meu delírio com o cachorro latindo assustado. Na minha frente, um rosto vermelho de cólera me pedia explicação.
Não dei.
Não queria.
Deixei o bar e cinco anos de tormenta para trás. As palavras ruins ainda tentaram me alcançar na rua, mas eu não ouvia mais nada.
A noite não começava quente como eu imaginava; estava fresca e silenciosa.
Duas quadras adiante eu sabia que tinha uma sorveteria; tonta de alívio, pensei no sorvete de pistache.
Só uma questão de opção, nada pessoal... mas depois daquela tarde, vinho ruim nunca mais!