Bonanza
- Conta de novo sobre como vocês brincaram com seus amigos que se casaram?
- O céu, filha, olha o céu.
Era 25 de dezembro e Mallu e sua avó estavam sentadas no banco de madeira crua junto à carroça bebericando cerveja. O céu do crepúsculo estava rosado e raios de sol escapavam gloriosos por entre as nuvens.
- Lindo, Nonna. Tem a cor do vestido da Helena.
- O que você falou, Maria?
- Lembra daquela história de quando seus amigos se casaram e a senhora e o Nonno sacan— brincaram com eles?
Ela soltou uma gargalhada gostosa que terminou em tosse.
- A gente sacaneou com eles, isso sim. Naquele tempo, Maria, nós andávamos em vários casais, eu e seu avô. Nunca combinávamos de nos ver - a gente saía na rua ou no passeio e nossos amigos estavam por lá, sabe como? Os amigos do seu avô, pois eu era muito tímida. E aí eles iam casar e o Pai teve a ideia. Falamos com a mãe da noiva e ela deixou, e então… Eu tão ingênua, Maria, ela deixou, e assim, na véspera, eu peguei os pijamas dos dois na mala e costurei na máquina uma perna de um à perna do outro. - Ela explodiu em riso. - Dei uns pontinhos, sabe como, de cima a baixo, fáceis de tirar, porque a graça era que eles tivessem que descosturar juntos na lua-de-mel… Ou ficar sem roupa mesmo! Você entendeu, Maria?
As duas mulheres riram juntas até perder o fôlego.
- Olha só, Maria. Tão bobos. Uma brincadeira bobinha demais. Mas foi tão engraçado.
Mallu apontou para a figueira.
- Nonna. Que são aqueles passarinhos na árvore?
Leda Caporetto apertou os olhos úmidos e aprumou o corpo dignamente no banco.
- Aqueles, filha?
- Sim.
- Aquele passarinho se chama azulão. Vê a cor dele? Azul queimado.
- É lindo - disse Mallu.
- Veja como estão comendo os figos. No verão eu digo pro Pai, vamos ali ver se os figos estão maduros? Então nós descemos e dois ou três figos estão bicadinhos e já bem vermelhos por dentro, maduros, porque o azulão comeu. Eles nos avisam quando podemos comer.
Tomou um gole da lata e batucou com a bengala no chão, mexendo os pés de felicidade como uma menininha. Mallu não via necessidade de falar e enchia os sentidos com o fim da tarde.
- Maria, a natureza é bonita…! Antes do inverno, eu escovei os cachorros aqui com a moça… Ela me ajuda tanto, uma santa… E o pátio ficou todo cheio de tufos brancos flutuando pra lá e pra cá. Fui ver, uma multidão de passarinho fazendo a festa, tudo eles catando as bolas de pelo no chão com os biquinhos, filha. E depois a árvore ficou cheia de ninhos fofinhos de pelo de cachorro, tudo branco. Eles ficaram aquecidos nesse inverno.
Um menino pequeno apareceu correndo e chamando pela avó e pela prima.
- Oi, querido, quer sentar no colo da nonna?
Ele escalou o corpo da avó e aninhou-se.
- Má, cadê sua bola? - perguntou a Mallu. Naquele Natal cada um recebera uma bola colorida de borracha e agora todas estavam jogadas aleatoriamente pelo quintal.
- Não sei, não, moleque - respondeu Mallu.
- Pepo, vai procurar a bola de Maria, vai.
O garotinho desceu com cuidado do colo da avó e saiu andando sério em direção às bolas.
- Pega uma e traz aqui que a nonna lê o nome escrito na bola pra você - Ela lembrou. Pedro assentiu e ela confidenciou a Mallu: - Olha só pra ele, Maria. Tão pequenininho! E tão sério! Tem o jeitão do Pai.
- Tem mesmo, Nonna. Ele é do tipo de menino que não se faz mais hoje em dia.
Pedro veio correndo batendo os pezinhos no chão com uma bola vermelha.
- Junior - leu Mallu. Ele a deixou no chão e voltou para pegar outra.
- O Pepo lembra você também - comentou sua avó.
- Ele é como um filho para mim. Ele é como...
Ela não continuou e a senhora não disse palavra, contentando-se em depositar sua mão macia e meio paralisada pelo derrame sobre a mão da neta.
- Má - ele chamou, chegando perto novamente com uma bola amarela. Mallu leu o nome da irmã, mas quando o menininho largou-a ela o abraçou apertado. Ele não reclamou, como nunca reclamava, e engolindo o choro amargo Mallu deixou a criança ir.