Homem: O Sexo Frágil
Chegou atrasado mais uma vez esta semana para o jantar. Valéria jantou sozinha mais uma vez, mas já se acostumou. Desde que ela e Victor se casaram, ele conseguiu entrar na multinacional que sempre sonhou e anda trabalhando demais, sem descanso. Mas seu semblante não denotava só cansaço, havia um sentimento a mais, mas ele nada dizia.
“Homem não fala, fica mudo e só. Eles são todos assim mesmo filha.” Lembrou de quando sua mãe dizia isso para ela quando pequena nas vezes que ela ia perguntar ao pai porque ele parecia tão triste, quando na verdade o pai estava com depressão e havia tentando se matar, pois se achava um fracassado como homem sendo um deprimido, enquanto a mulher gozava de uma ótima saúde.
Ele chegou. Todo molhado, pois teve que trabalhar debaixo de chuva o dia inteiro. Ela se alegrou, o homem que ela escolheu dividir sua vida chegou. Ele cumprimentou ela com um beijo e disse que iria tomar banho logo pois estava suado e molhado. Ela sorriu.
Jantou, como quem parecia não ter comido o dia inteiro. E reparou: estava mais magro e com olheiras. Saciou-se, lavou o prato, arrumou a mesa e foi para o sofá para assistirem o seriado que eles gostam juntos.
“Amor, ta acontecendo alguma coisa?” Perguntou ela. “Nada amor, só coisas do trabalho mesmo. Nada demais.” Respondeu.
Bom, ela entendeu, não queria conversar. “Os homens são todos assim” lembrou mais uma vez a voz fantasmagórica da mãe.
O seriado começou. Silêncio, pois neste momento os dois nem piscavam. Ela pegou o controle remoto e desligou a televisão.
“Amor, quero conversar.” “Ah, lá vem ela de novo.” Pensou ele. “Você sabia que o marido da Estela foi demitido da empresa e ela está super tranquila? “Sério? Ela está bem?” “Sim, ela se casou com ele pelo que ele é e não pelo o que ele podia dar.” “Mas ele está bem?” “Ele parece estar, embora tenha se fechado um pouco com ela. Mas ela faz ele falar nem que seja de pouco em pouco todos os dias como ele anda se sentindo. Ele está procurando outro emprego mas não está muito fácil de conseguir. Hoje eles exigem Pós em alguma coisa, Mestrado em outras. O mercado está cada vez mais acirrado e assim, cada vez mais as pessoas ficam desempregadas e quando conseguem alguma coisa, é por baixos salários. Ela percebe a tristeza dele e o abraça, diz que o ama e que ele é o homem da vida dela, que ela o admira e que estará com ele em qualquer situação.” “Sério amor?” Perguntou Victor, sentindo-se aliviado. “Sim, e mais ela disse que casou com ele porque o ama e não pensando em quantas refeições iriam fazer ao dia. Ela o admira muito e o ama demais. Situações como essas fortalecem o amor, se este for verdadeiro.” Completou ela.
Mas Victor foi ensinado que o homem é o pilar da casa, é o patriarca, o poder de estrutura da família, o super-heroi dos filhos, o que emana segurança a todos sempre.
Ele e Valéria decidiram não ter filhos, pois acham que ainda precisam de mais estrutura financeira para arcar com as despesas de uma criança. Valéria pensa a mesma coisa, afinal ele estavam casados há apenas dois anos após três anos de namoro e uma ano de noivado. E ela não queria ter filho agora, está concentrada no Mestrado e muita de sua energia está sendo canalizada nisso. Uma criança seria muito estresse para os dois.
Victor estava tendo problemas com a empresa. A empresa não o dá suporte para gerenciar a equipe que ele tem que fazer trabalhar, os funcionários estão desmotivados, ele está sendo cobrado demais pelo coordenador da multinacional e ele está se sentindo sufocado, querendo explodir. Estava esgotado. Estava com medo de ser demitido e isso o aflige todos os dias.
Como Valéria vai encarar uma possível demissão, um fracasso dele? O fracasso do homem que ela escolheu para viver ao lado? Ele estava com medo e por isso não dormia direito e trabalhava compulsivamente para tentar mostrar os melhores resultados para a empresa contratante, ainda mesmo que a empresa em que ele trabalha não o desse suporte algum para que ele pudesse melhorar. Este medo já está virando angústia, pois quando mais se esforçava para mostrar resultados mais o coordenador exigia dele como se ele não fosse competente o bastante para o cargo que exercia.
Não queria dizer, não foi ensinado a mostrar e nem denotar fraqueza. Não é fácil chegar e dizer para a esposa que está com problemas na empresa. Isso a deixaria insegura e quem sabe, ela se divorciaria dele? Ele aprendeu que as mulheres denotam fraqueza, os homens não. As mulheres são frágeis, os homens não. O super homem sofre calado.
“Amor, você parece estar prestando atenção em outra coisa. Tá me ouvindo?” “Ah, tô sim, querida. Tô sim, pode falar.” “Seu semblante está pesado, não de quem denota só cansaço mas de quem denota alguma dor. Está tendo alguma dificuldade na empresa?”
Ele conhecia Valéria. Era inteligente e quase ninguém a enganava, principalmente ele não conseguia enganá-la. “Amor, estou com problemas que todo mundo têm nas empresas que trabalham, mas nada que me arrisque perdê-lo.” Mentiu para si mesmo. Quer deixá-la segura. Não quer ser abandonado por causa da sua insegurança.
“Você sabe que eu te admiro, te amo e que não casei com você por causa de colo e comida. Se estiver tendo algum problema fale comigo, eu também tenho problemas na loja e sempre falo com você. Se abra comigo. Não tenha medo de mostrar o seu ‘calcanhar de Aquiles”, ninguém é super homem ou mulher maravilha, eu, você, minhas funcionárias são só pessoas tentando sobreviver neste caos que é o mundo e a realidade. E se não nos apoiarmos, nos abraçarmos e nos abrirmos, o peso das dificuldades, dos medos, das inseguranças nos afundam e somos soterrados por elas sem chances de ter oxigênio para falar depois. Meu pai ficou doente porque não falava nada com ninguém. Não quero que você passe por isso. Não quis casar com um super homem, quis casar com alguém de alma, carne e osso. Não casei com a idéia que tive de você, casei com um ser humano que sente, sofre, dá a volta por cima e não com um robô que faz tudo certo e que nada sente. “
Ela estava deixando-o seguro. Começou a perceber que havia se casado com a melhor mulher do mundo. Alguém que olhe para ele como um “ser humano” e não como um robô, um patriarca que nada sente. Respirou aliviado e disse: “então no casamento existe isso?” “
O quê? Diálogo? Claro que sim, como vou poder te ajudar se você não se abrir? Eu tenho minhas fraquezas, você com certeza tem as suas e é na honestidade consigo mesmo e com as pessoas que você ama é que as nossas relações evoluem. É no diálogo, é no “peito aberto” mesmo, sem medo de represálias ou censuras. Isso são atitudes dos medíocres. E eu pelo menos, sou muito diferente disso.” Concluiu Valéria.
Entrava dentro da alma de Victor “ar de amor, compaixão e verdade” vindo de Valéria. Nunca pensou que fosse ouvir isso. O céu já não estava pesando em sua cabeça. O peso do mundo havia caído. Estava seguro com ela como ser humano e como este “novo homem” que agora surge na sociedade, que na verdade sempre existiu mas estava escondido por trás de semblantes, silêncios e posturas machistas que só os matavam por dentro. Se os homens são tão fortes, por que o pai dele dizia que mais conversava com o colega do trabalho do que com sua mãe? Ou seja, todos nós temos os mesmos medos, só que temos máscaras para vestir todos os dias. E Victor não suportava mentira, queria fugir desse labirinto de farsa e disfarces. Se encheu de coragem e passando a mão nos cabelos de Valéria disse: “amor, estou cheio de problemas na empresa. Estou com medo de ser demitido. Me abraça vai.” Valéria sorriu e seus olhos se encheram de lágrimas, pois temia perder o marido como perdeu o pai por suicídio devido o machismo. E hoje, com todas as dificuldades que existem, o casal que também são melhores amigos se amam mais do que se amavam antes.
Amor Vincit Omnia.