Histórias de convencimento
- Vou contar una história de convencimiento a vocês.
Nós estávamos no bar podreira ao lado da universidade, isto é, eu, um moleque de sorriso enorme me abraçando, minha melhor amiga e algumas pessoas meio tipo bicho-grilo que eu não conhecia, entre elas Javier. Ele era da Argentina e falava num portunhol rápido e efusivo que eu precisava de muita concentração para entender. Fazia malabarismos no sinal para ganhar uns putos no bolso. Estivera mostrando as três bolas de malabares, que eram transparentes cheias de líquido com figuras como peixinhos de borracha dentro, e quando jogadas no chão acendiam com luzes coloridas.
- Alguém poderia me emprestar duas moedas?
O sujeito meio hippie à minha esquerda prontamente tirou algumas moedas do bolso da camisa detonada.
- Obrigado - disse o argentino, selecionando uma de vinte e cinco e uma de um real -, agora prestem atención, e verão que las manos são más rápidas que los ojos.
Pegou uma moeda em cada mão, os punhos fechados para baixo.
"Havia uma rainha e um rei, cada um em sua torre."
Abriu uma mão de cada vez para mostrar as moedas.
"Eles se amavam, mas moravam muito longe. Então, um dia—"
Javier fez um gesto muito rápido espalmando as mãos sobre a mesa.
"O rei decidiu visitar a rainha em sua torre."
Ele levantou as mãos sujas, revelando as duas moedas juntas na mão da rainha. Todos nós fizemos sons de surpresa.
"Então, o rei decidiu voltar para sua torre, mas trouxe a amada rainha com ele."
Mais um piscar de olhos e rei e rainha estavam juntos em seu leito na mão direita.
- Caralho, irmão, como você faz essa magia? - perguntou Gabriel, que me abraçava. Sua voz alegre tinha um quê de agradável ironia sempre presente.
- O segredo é ter velocidade en las manos - explicou Javier com os olhos brilhando enquanto repetia o movimento de uma mão a outra para que todos víssemos. - Tenta.
O menino tentou, e uma das moedas bateu na mão para ser espalmada na mesa, mas a outra voou para o chão.
- Deixa tentar - falei, divertida, e apanhei-a. Imitei Javier, rindo de meu óbvio fracasso, uma piada pronta, mas uma das moedas aterrissou aninhada junto à outra.
- Olha só la chica! - exclamou o argentino, batendo palmas. - Agora faz uma historinha, inventa, como a minha.
- Ah, não, meu velho - respondi, entregando os centavos. - Eu não sou boa de histórias, sabe.
Na verdade, eu tinha uma historinha.
Era uma vez um rei e uma rainha.
(Agora você vê uma moeda em cada mão.)
A rainha era feliz sozinha em sua torre de ouro, mas o rei encantou-se por ela e tentou visitá-la,
(A moeda de vinte e cinco da mão direita voa e ricocheteia no punho esquerdo fechado.)
Mas a rainha estava mesmo feliz sozinha em sua torre de ouro.
O rei ficou incomodado, e fez mais uma tentativa, e mais outra e outra…
(Você observa a moeda sendo atirada com insistência pela minha mão direita)
Sem sucesso, até que um dia
(Numa das jogadas, a moeda some)
a rainha desistiu
(Agora eu abro a mão esquerda, em que há duas moedas unidas com paixão sobre o colchão de pele)
e se deixou apaixonar pela dedicação do rei.
(Mãos fechadas, o jogo recomeça.)
Mas o rei entediou-se na torre da rainha. Ele só era completo quando estava cruzando o ar. E assim, sem avisar, o rei voltou à sua própria torre no meio da noite
(Um estalo. Eu abro minha mão direita. A moeda do rei brilha arrogante seu quarto de real para os espectadores maravilhados do show.)
e deixou a rainha, mais uma vez, sozinha
(Abro a mão esquerda com um floreio. Ali está a outra moeda, opaca, sem qualquer consciência de seu valor.)
mas agora não mais feliz.
(Uma lágrima de pierrot na cara do palhaço. Palmas. As crianças riem e a cortina fecha.)
Saí enviada para comprar cigarro num trailer de comida. Tossi feio e senti gosto de tabaco, bala e doença do pulmão.
A rainha estava sem o rei.
"Agora você me vê. Agora não."