O Bar
Era de esquina, formando um “V” com ruas movimentadas e deixando à mostra as mesas grandes de concreto e as cadeiras vermelhas.
Consumiu o dinheiro de muito trabalho e muitas aulas de língua estrangeira.
Um casarão simpático, de madeira, com ares de fazenda e piso de tábua corrida.
No interior, abrigava mesas maciças pintadas de preto, cortinas de algodão e arandelas com luzes aconchegantes.
Tudo preparado para surpreender a cidadezinha que não estava acostumada a variedade de cervejas importadas e uísques de primeira linha.
O DJ mais famoso da região foi contratado para o jingle e a chamada. Inserções na rádio local convidavam para a abertura com a melhor banda da cidade.
O bar tinha tudo para dar certo.
Na noite marcada, a cidade estava lá. Até o moço mais bonito compareceu.
Era um sucesso a tal da “Casa da Cerveja”.
Até acontecer a cena digna de filme de última linha.
Um ataque de epilepsia na área externa chamou a atenção.
De epilepsia passou a overdose na língua maldosa dos que adoraram.
Fofoca, meu amigo, em uma cidade pequena, é mais poderosa que o fogo do diabo. Queima tudo. E queimou também o bar.
Nos dias posteriores a casa foi promovida a distribuidora e comerciante de droga.
Os donos, alheios a conversa que corria solta, não entendiam o porque do fracasso e aguardavam o negócio deslanchar, mas nada acontecia.
Sobreviver se tornou uma luta.
Eventos foram idealizados na tentativa de salvar o boteco.
O primeiro deles foi abatido por uma tempestade, o segundo, foi a quermesse da igreja e o último, um baile imitando noites tropicais cheias de golfinhos em uma cidadezinha a 700 km da praia, naufragou mais rápido que um morto com pés de concreto.
Um fiasco.
Contas se acumularam, o estoque não podia ser reposto.
Os poucos desavisados que frequentavam a “casa da cerveja”, consumiam tão pouco que não dava para pagar um garçom.
As coisas iam de mal a pior.
A primeira a abandonar o barco, foi a parente, gananciosa por um bolso farto, quando viu a falência, deixou a casa chamando a quem ficava de idiota.
A dona, em um ímpeto de querer desafiar as desgraças, tomou uma enxada enferrujada e foi capinar um canto cheio de carrapichos. Queria montar um palco ao ar livre, criar um movimento e quem sabe atrair alguém.
O sol escaldante e as bolhas nas mãos venceram seu ânimo após duas horas arrancando capim.
Uma humilhação na esquina em “V” movimentada.
A saída, então, era apelar para os amigos e fez o convite.
Eles vieram. As 7 mesas externas começaram a ganhar vida. Comiam, bebiam e saíam no final da noite com a barriga e o bolso cheios. Pagar? No final do mês que era época de salário.
O dono desanimou na hora. Sedento do refri de cola, passou a beber as última cocas. Houve dias em que para atender os minguados clientes, corria no carrinho de cachorro quente da esquina para comprar meia dúzia de garrafas e não passar vergonha.
Uma lástima.
Clientes fixos só três. Um apreciador de chá alucinógeno que sentava ao balcão bebendo uma mistura de soda, gim e blue coraçao e contando histórias mirabolantes sob o efeito do “trem” azul.
Outro, irmão do primeiro, neurocirurgião renomado que por uma brincadeira besta da vida, acabara naquela cidadezinha de m... e passava os dias a compor canções na esperança de fazer carreira.
E por último, um homem misterioso de chapéu que chegava em silêncio, pedia duas doses de uísque e passava a noite em conversas sem fim com o “espírito” que morava na casa.
Não demorou muito para que a fama do bar ganhasse um reforço. Além de drogas, havia ali também assombração.
Uma festa.
O bar falecia.
A dona enraivecida colocou cartazes cobrando as contas. Alguns se coçaram, outros pediram mais prazo.
Não havia o que fazer. Era fechar as portas e tocar a vida.
Marcado o dia e a hora, os amigos foram chamados para ajudar na mudança.
Todos confirmaram.
Ninguém compareceu.
Um freezer novinho e de primeira linha foi para um agiota, o outro para pagar o empréstimo do primo. As cervejas vendidas para um bar vizinho, as toalhas, mesas e cadeiras, amontoadas na garagem da casa dos avós.
Sobraram os uísques mas nem para beber a tonta da mulher prestava. Era só refrigerante e bem... as cocas já tinham sido bebidas.
No domingo à noite, no final da mudança, ela olhou o bar vazio que carregava histórias, sonhos, planos, mágoas e decepção.
Tristeza pura.
Quando fechava as portas os amigos vieram. Chegavam do banho na cachoeira com o cara do grupo musical com nome de pássaro azul que sorriu meio sem jeito.
Perguntaram se tinha cerveja, queriam comida.
Não se lembraram da mudança. Era domingo, pelo amor de Deus!
A dona saiu sem uma palavra.
Deixou para trás os amigos que segundos depois deram de ombros e foram para o bar da esquina.
A vida continuou. De um jeito ou de outro.
Há coisas que não dão certo de jeito nenhum e não há explicação.
Hoje, as cenas do bar são apenas lembranças de histórias contadas em outras mesas de bar. E de verdade? Quase ninguém acredita.
Imagem: google (ilustrativa)
Era de esquina, formando um “V” com ruas movimentadas e deixando à mostra as mesas grandes de concreto e as cadeiras vermelhas.
Consumiu o dinheiro de muito trabalho e muitas aulas de língua estrangeira.
Um casarão simpático, de madeira, com ares de fazenda e piso de tábua corrida.
No interior, abrigava mesas maciças pintadas de preto, cortinas de algodão e arandelas com luzes aconchegantes.
Tudo preparado para surpreender a cidadezinha que não estava acostumada a variedade de cervejas importadas e uísques de primeira linha.
O DJ mais famoso da região foi contratado para o jingle e a chamada. Inserções na rádio local convidavam para a abertura com a melhor banda da cidade.
O bar tinha tudo para dar certo.
Na noite marcada, a cidade estava lá. Até o moço mais bonito compareceu.
Era um sucesso a tal da “Casa da Cerveja”.
Até acontecer a cena digna de filme de última linha.
Um ataque de epilepsia na área externa chamou a atenção.
De epilepsia passou a overdose na língua maldosa dos que adoraram.
Fofoca, meu amigo, em uma cidade pequena, é mais poderosa que o fogo do diabo. Queima tudo. E queimou também o bar.
Nos dias posteriores a casa foi promovida a distribuidora e comerciante de droga.
Os donos, alheios a conversa que corria solta, não entendiam o porque do fracasso e aguardavam o negócio deslanchar, mas nada acontecia.
Sobreviver se tornou uma luta.
Eventos foram idealizados na tentativa de salvar o boteco.
O primeiro deles foi abatido por uma tempestade, o segundo, foi a quermesse da igreja e o último, um baile imitando noites tropicais cheias de golfinhos em uma cidadezinha a 700 km da praia, naufragou mais rápido que um morto com pés de concreto.
Um fiasco.
Contas se acumularam, o estoque não podia ser reposto.
Os poucos desavisados que frequentavam a “casa da cerveja”, consumiam tão pouco que não dava para pagar um garçom.
As coisas iam de mal a pior.
A primeira a abandonar o barco, foi a parente, gananciosa por um bolso farto, quando viu a falência, deixou a casa chamando a quem ficava de idiota.
A dona, em um ímpeto de querer desafiar as desgraças, tomou uma enxada enferrujada e foi capinar um canto cheio de carrapichos. Queria montar um palco ao ar livre, criar um movimento e quem sabe atrair alguém.
O sol escaldante e as bolhas nas mãos venceram seu ânimo após duas horas arrancando capim.
Uma humilhação na esquina em “V” movimentada.
A saída, então, era apelar para os amigos e fez o convite.
Eles vieram. As 7 mesas externas começaram a ganhar vida. Comiam, bebiam e saíam no final da noite com a barriga e o bolso cheios. Pagar? No final do mês que era época de salário.
O dono desanimou na hora. Sedento do refri de cola, passou a beber as última cocas. Houve dias em que para atender os minguados clientes, corria no carrinho de cachorro quente da esquina para comprar meia dúzia de garrafas e não passar vergonha.
Uma lástima.
Clientes fixos só três. Um apreciador de chá alucinógeno que sentava ao balcão bebendo uma mistura de soda, gim e blue coraçao e contando histórias mirabolantes sob o efeito do “trem” azul.
Outro, irmão do primeiro, neurocirurgião renomado que por uma brincadeira besta da vida, acabara naquela cidadezinha de m... e passava os dias a compor canções na esperança de fazer carreira.
E por último, um homem misterioso de chapéu que chegava em silêncio, pedia duas doses de uísque e passava a noite em conversas sem fim com o “espírito” que morava na casa.
Não demorou muito para que a fama do bar ganhasse um reforço. Além de drogas, havia ali também assombração.
Uma festa.
O bar falecia.
A dona enraivecida colocou cartazes cobrando as contas. Alguns se coçaram, outros pediram mais prazo.
Não havia o que fazer. Era fechar as portas e tocar a vida.
Marcado o dia e a hora, os amigos foram chamados para ajudar na mudança.
Todos confirmaram.
Ninguém compareceu.
Um freezer novinho e de primeira linha foi para um agiota, o outro para pagar o empréstimo do primo. As cervejas vendidas para um bar vizinho, as toalhas, mesas e cadeiras, amontoadas na garagem da casa dos avós.
Sobraram os uísques mas nem para beber a tonta da mulher prestava. Era só refrigerante e bem... as cocas já tinham sido bebidas.
No domingo à noite, no final da mudança, ela olhou o bar vazio que carregava histórias, sonhos, planos, mágoas e decepção.
Tristeza pura.
Quando fechava as portas os amigos vieram. Chegavam do banho na cachoeira com o cara do grupo musical com nome de pássaro azul que sorriu meio sem jeito.
Perguntaram se tinha cerveja, queriam comida.
Não se lembraram da mudança. Era domingo, pelo amor de Deus!
A dona saiu sem uma palavra.
Deixou para trás os amigos que segundos depois deram de ombros e foram para o bar da esquina.
A vida continuou. De um jeito ou de outro.
Há coisas que não dão certo de jeito nenhum e não há explicação.
Hoje, as cenas do bar são apenas lembranças de histórias contadas em outras mesas de bar. E de verdade? Quase ninguém acredita.
Imagem: google (ilustrativa)