Linda Perdeu o Ônibus
Linda saiu da academia carregando sua bolsa azul-celeste, aquela grande o bastante pra abrigar toda sua vida. Seis e doze de uma tarde de outubro. Ventava enlouquecidamente, e no mesmo estágio de insanidade, seus cachos loiros e compridos davam piruetas, faziam acrobacias no ar e depois se jogavam na frente de seus olhos… Seus olhos de um tom único de verde, olhos cor-de-olhos-de-sereia. Como seus cabelos, também cabelos cor-de-cabelos-de-sereia. Foi assim que Linda saíra da hidroginástica naquela tarde.
Mas ao parar na calçada para aquietar suas madeixas agitadas, Linda o avistou virando a esquina. Lá vinha ele, grande e barulhento, explorando aquela rua deserta, porém cheia de carros estacionados, sob o céu que outubro pintara de nublado. Seu ônibus estava vindo! Mas o ponto de ônibus mais próximo estava a muitos e muitos metros de distância. Não sabia quantos, mas sabia que era número suficiente para o ônibus ultrapassá-la e chegar ao ponto primeiro.
Contendo a crescente frustração, Linda decidiu correr, mas cinco passos depois percebeu que seria inútil. Virou-se para o ônibus, e dando passinhos apressados para trás, esticou o braço e fosse-o-que-Deus-quiser. “Pare aqui, por favor, pare aqui”, pensava aflita. Mas como previa, o ônibus não parou fora do e Linda o viu se distanciar. Perdera seu ônibus.
Seis e treze de uma fria tarde de ônibus, Linda chorou. Suas mãos com cheiro de cloro abrigaram as lágrimas inodoras e seus cabelos de sereia desbotaram e perderam a vida. Linda perdera o ônibus e perderia mais vinte minutos esperando outro. Enquanto caminhava até o ponto, perdeu algumas lágrimas, que ficaram pelo caminho.
A cada minuto, perdia um pouco, e se perdia um pouco, e cada vez um pouco mais. Quarenta e três anos dedicados às perdas. Perdera sua infância trancada dentro de casa com uma velha costurando meias e um gato que só dormia. Perdera sua adolescência dentro de uma confeitaria, atrás de um balcão cheio de bolos muito mais interessantes que ela. Perdera sua liberdade se casando com o primeiro homem que lhe enxergara, dentro daquele metrô, enquanto ela se escondia por trás das capas grossas de um livro qualquer que perdera até as letras.
Mas o que ela mais perdia era o tempo. Esse lhe fugia muito mais rápido do que qualquer gripe passageira. Cada vez mais tempo passava e Linda perdia os dias, perdia os anos, perdia os ânimos, perdia os ônibus. Perderia o cheiro de cloro quando tomasse banho na sua casa. Perderia sua bolsa azul-celeste duas semanas depois num salto a mão armada. Perdia o sono, perdia valsas de quinze anos porque sempre ficava com vontade de ir ao banheiro nessa hora, perdia os guarda-chuvas nas filas de espera, perdia o marido para as noites de sexta, perdia a cabeça e até seus olhos cor-de-de-olhos-de-sereia Linda perderia um dia. Só não perderia o prazer de perder a si própria, cada dia um pouco mais, como uma criança que perde as peças de um quebra-cabeça.
Enquanto pensava nisso, outro ônibus passou, e esse, Linda não perdeu. Mas perdida em pensamentos, acabara perdendo o olhar interessado e o sorriso que poderia ter ganhado do homem do banco ao lado. Mas Linda nunca ganhava nada, porque perdia tempo demais perdendo o resto que tinha.
Oito horas da noite do mesmo dia de outubro. Dentro do mercado, Linda escolhia entre duas marcas de biscoito que eram praticamente idênticas, enquanto seu marido passeava distraído por outras prateleiras. Depois de perder a vontade de levar os biscoitos, Linda decidiu parar para comprar alguns bombons, e primeiramente averiguou quantas calorias possuíam cada um, mas durante esse momento totalmente sem clímax, teve a esquisita sensação de que estava perdendo mais alguma coisa. O que seria? Linda nunca descobriria, e a culpa não era dela. Ela nunca imaginaria que, na verdade, estava era perdendo o seu desfecho, porque o