Menina na janela
Menina na janela.
De labuta em labuta, olha pela janela pra ver se o moço bonito está passando, o relógio na parede da sala afirma que é a hora certa, mas onde estaria ele...
Maria Dolores, menina nova, dezesseis estações das flores. Seu pai, homem rústico, mineiro desconfiado e matuto, já planejava o casório da filha. Cabeça de menina moça pensa muita bestagem, é melhor ocupar o tempo na lida da fazenda.
Dolores era a mais velha de cinco filhos, tinha portanto a obrigação de cuidar da casa e dos irmãos, era ela quem arrumava os pequenos pra ir à escola, dava banho, penteava os cabelos e vestia cada um, impecavelmente, afinal eles não poderiam parecer tão pobres quanto eram. Era ela quem cuidava das criações, tirava o leite da vaca, recolhia os ovos no galinheiro, levava os cavalos para o pasto. Dentro de casa era responsável por todos os doces. Passava horas ao lado do fogão a lenha pra não perder o ponto do doce de leite, as geléias, as compotas, as frutas cristalizadas. Na lata de manteiga comprada vazia na padaria do seu Manoel eram guardados os pedaços de carne de porco que ela mesma tinha preparado, e tudo mergulhado em banha do porco pra não estragar. A noite Dolores era quem contava histórias a todos na casa. Reunidos na sala grande, os livros preenchiam o vazio daquelas almas, e foi nos livros que Dolores encontrou refugio para seus sonhos.
Não se pode conter os sonhos de menina moça, por mais que se ocupe o tempo, os sonhos encontram seu espaço e olhando na parede da sala, o relógio companheiro de tantas repetições, lhe avisa, com um último toque que é hora de olhar pela janela.
Ele passa, conforme havia combinado em seu sonho da noite anterior. Montado em seu cavalo negro, terno cinza, chapéu coco, botas de cano longo, bigodes finos e bem aparados.
Como em outras vezes ele acena educadamente com seu chapéu e sorri. Em seu rosto uma expressão já conhecida, mas ainda indecifrável, ela apenas lhe sorri de volta. Aquela cena de pouco mais de trinta segundos, alimentava todos os seus sonhos de uma vida inteira.
Estava pronta para mais uma noite de sonhos e para mais um dia que iria clarear cheio de obrigações e tarefas, mais um dia em companhia do relógio na parede da sala.