Pedi prá São Francisco!!! “Conto cômico” Baseado em fatos reais

Vânia completava seus vinte e dois anos de casada, já bastante desmotivada com aquela vidinha rotineira e sem sal, ao lado de seu marido Júlio.Um mecânico aposentado, cinqüentão, barrigudo, careca, arrastando as chinelas pelos cantos do pequeno apartamento em que vivia o simples casal, junto de sua filha Milena. A jovem, já moça feita, mesmo assistindo a todos os espetáculos causados pelo pai, alcoólatra, que sempre pisava em casa por volta das duas da manhã, chapadão, cambaleando pelos cantos da casa, falando embolado, trombando em tudo e ainda deixando as tampas das panelas caírem pelo chão, fazendo aquele estrondo insuportável; ainda assim, afirmava para sua mãe que queria se casar! Vânia, só balançava a cabeça, mostrando um ar de interrogação acompanhado de exclamativos olhares. Isso, porque, a filha nunca via as grosserias e humilhações que a pobre mulher sofria e ainda era obrigada a ouvir. Sem falar, da chatice, da implicância, do bafo, do ronco, das inconveniências que só uma esposa de alcoólatra sabe contar e milhares de detalhes que vão fazendo os príncipes se transformarem em sapos no decorrer da vida de casado! Vânia, não merecia! Uma mulher batalhadora, dedicada, braço direito de seu esposo para tudo, carinhosa, educada, bonita, culta, inteligente, ótima mãe, caprichosa!... Parecia que Júlio quando bebia, pegava um “encosto de bêbado” como dizem por aí!!! Daqueles que não era nem um pouco simpático à Vânia! Pois não havia outra explicação para tamanha implicância com ela. Amava sua mulher e todos sabiam disso. Fazia tudo para vê-la feliz e não media esforços, até tomar o maldito primeiro gole, para se transformar num monstro! Agressivo, chamava-a de burra, de incompetente, de ignorante, de gorda, punha defeito em sua comida e tudo mais... Era mesmo difícil de entender!... Vânia não se cansava de fazer infinitas novenas para seu santo de devoção, São Francisco de Assis e tinha fé que um dia seu marido ainda haveria de deixar o maldito vício da bebida, visto que esse era mesmo o seu único defeito. Pois tirando disso, ele era um homem bom e correto. A filha, pensando em agradar a sua mãe, visto que aproximava o seu aniversário, resolveu fazer-lhe uma surpresa. Encomendou em uma casa de artigos religiosos, uma linda e imensa imagem de São Francisco de Assis para dá-la de presente. Os dias se passaram e finalmente, no sábado, véspera do aniversário de Vânia, Milena chegou eufórica com a linda imagem do santo em uma caixa enorme, embrulhada de papel de presente vermelho. A mãe, muito emocionada, agradeceu a sua filha, dizendo que a jovem, não deveria ter gastado o seu dinheiro suado, com aquele presente tão caro! E já providenciava um local especial para colocar a imagem. Pensou em colocá-la em cima de uma arca de madeira, que ficava em seu quarto ao lado da cama. Isso já era mais ou menos cinco e meia da tarde. Ela terminava de arrumar a casa e já estava sozinha há horas; visto que seu marido saíra para beber por volta das dez da manhã e provavelmente só chegaria lá pelas tantas da madrugada, como sempre, daquele jeito! Um velho e terrível costume dos fins de semana e feriados, que causava profunda tristeza e depressão na mulher, que vivia sozinha. A filha, que acabara de largar serviço, foi logo tomando um banho para sair com seu namorando, deixando Vânia em profunda solidão, como sempre. As horas se passaram, começou a escurecer e Vânia, foi se deitar, visto que não lhe restava mais nada a fazer que esperar e rezar para que seu marido voltasse logo, pois tinha medo que algum mal lhe acontecesse, estando bêbado, pelas ruas perigosas, às altas horas da noite. Leu mais uma vez a novena de São Francisco, ligou para a filha para saber se ia dormir na casa do seu namorado e foi se deitar. Quando, por volta das duas e meia da manhã, a porta bateu com força. Júlio chegara do bar, como já era de se esperar. Destampando as panelas e procurando o seu almoço!!! Vânia, nem se mexera, para evitar chateações em plena madrugada. Deitada em sua cama, lá ficou. Mantendo a luz azul bem fraquinha de seu abajur, acessa, para que Júlio pudesse entrar sem tropeçar e correr o risco de cair, quando fosse pro quarto. Depois de quase quarenta minutos, ele foi se deitar, sem banho, suado, sem escovar os dentes, com um enorme bafo de bebida misturado com comida! Foi quando ele balançou o pé de Vânia, perguntando apavorado: - Mulher! Acorda, mulher! Você tá vendo o que eu tô vendo? - ele muito assustado, agora já sacudia a esposa pelo braço que fingia estar dormindo. Estava, completamente desfigurado, pálido, olhos estatelados, com as mãos no rosto. Evitava olhar para cima da arca, pois jurava ter visto um santo em pé, em cima do móvel antigo! Como a luz do abajur deixava o quarto meio que na penumbra, a sensação de realmente estar tendo uma visão, aumentava. Ainda mais para quem já havia tomado todas! Vânia, percebendo o pavor do marido, falou que não estava vendo nada. Que ele tava ficando doido. Que havia bebido demais. Assim, Júlio saiu apavorado do quarto e resolveu dormir na sala. A mulher então se levantou, pé- ante -pé, guardou a imagem do santo, no fundo do guarda-roupa e quase não se conteve de vontade de rir da cara do marido. No outro dia, Júlio acordou, já eram mais de onze horas da manhã, chamou a esposa para contar o que havia acontecido. Que o santo aparecera para ele no quarto, balançando a cabeça para os lados com cara feia! Que ele nunca mais colocaria uma gota de bebida na boca a partir daquele dia. Vânia, muito surpresa e com uma tremenda vontade de rir, se conteve dizendo que acontecera um milagre! Quando o marido entrou para o banheiro para enfim tomar um banho, ela correu para ligar para a filha para contar o ocorrido. As duas caíram na risada, mas teriam outro pequeno probleminha, de agora em diante para resolver: _ Onde esconder a imagem para sempre?!

Valleria Gurgel.