GALOS DE BRIGA
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Capítulo I
O dia nasceu com o canto de Furacão. Galo jovem e bem se poderia dizer que este era seu primeiro canto de galo. Ainda desafinado e trêmulo, mas com uma euforia de quem queria marcar seu território desde cedo. Queria tomar o lugar do “corneteiro” oficial do terreiro o velho combatente Curumim, um “gogó de sola”, campeão de vários combates.
Sargento Viana, seu dono o havia adquirido ainda filhote, um pintinho de poucos dias, mas como era cria de reprodutor de briga e campeão de rinhas, valeu os duzentos cruzeiros pagos. Esperava muito daquele galinho que cantava hoje pela primeira vez. O sargento era um criador que tinha alguns dos melhores galos da redondeza, seu velho Curumim já havia vencido mais de trinta lutas, mesmo já tendo perdido um olho em uma das lutas, ainda era um admirável guerreiro. Era seu reprodutor preferido, tendo alguns descendentes que já despontavam com algumas vitórias.
Com galos deste tipo Sargento Viana marcara o nome de seu criadouro na região e ganhava um bom dinheiro com a venda de filhotes, ou mesmo nas apostas nas rinhas de luta de Cascavel. Agora era a vez de Furacão mostrar para que viera. Esperava dele muito, pois era descendente de galos ingleses e seu reprodutor era campeão afamado no Paraguai. Fora buscar longe um substituto para Curumim, afinal um galo com três anos de idade e já ficando gordo, não era necessariamente o biótipo de um vencedor, precisaria de um substituto à sua altura.
Um kilo e oitocentos gramas de pura energia e força. Uma plumagem vermelha e luzidia e uma estranha ferocidade nos pequenos olhos eram as principais características de Furacão. Fogoso em meio ao galinheiro, onde apenas ao sempre mal humorado Curumim, respeitava. Um respeito de quem podia esperar seu melhor momento. Sabia que ainda não estava pronto. Mas quando estivesse... Parecia pensar aquela pequena fera, quando se afastava do velho campeão.
“Eita galinho chato. Provoca, provoca e na hora ‘H’, nada” Costumava comentar o Sargento que observava o dia a dia de seu criadouro e torcia por ver um combate entre os dois campeões. Furacão sempre fugia quando Curumim o atacava com sua ferocidade típica de um “gogó de sola” e este descarregava sua fúria e frustração nos frangos jovens e nas galinhas, como a reprimir algum germe de revolta e traição. Uma das provocações prediletas de Furacão era empoleirar-se no galho mais alto da goiabeira, lugar de Curumim, ao fim do dia. Era briga na certa. Algumas vezes Furacão recebia o merecido e aparentando covardia, fugia sempre, podo-se a salva das terríveis bicoradas de que era alvo. Seu dia chegaria.
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E nesta expectativa começaria o dia em que, para surpresa de todos, o desafio foi lançado. Era chegada a hora de acertar as contas com Curumim e assumir seu lugar de chefe do galinheiro. A surpresa foi geral. A luta começara em meio ao rebuliço. Tanto foi o rebuliço e barulho que chamou a atenção do Sargento Viana que veio ao galinheiro com sua espingarda, pois achava que algum gambá estava “fazendo a festa”. Lá estavam engalfinhados: Furacão e Curumim. Era uma luta de mini titãs. O temor de perder um dos dois neste combate mortal, fez com que Sargento Viana quisesse separá-los, mas quando Curumim o recebeu a bicoradas e golpes de esporão, deixando claro que a briga era sua e que não se metesse, resolveu deixar e vê no que daria. Apenas torcia para que não terminasse na morte de um dos dois. Isto seria tremendamente desagradável, pois o tiraria de pelo menos uma disputa no grande campeonato dos próximos dias. Voltou para a cerca e de lá ficou observando o desenrolar daquele combate sem juízes, como acontecia na natureza. O cercado improvisado em arena.
Curumim mostrava que apesar de um pouco velho e pesado, sendo menos ágil do que Furacão, ainda assim era um ”osso duro de roer” e em lances de muito mais experiência levou o adversário ao pânico. Como sempre acontecia Furacão deu-se por vencido e abandonou a luta, com alguns ferimentos superficiais, mas sabendo que aquele galinheiro ainda tinha um dono forte o bastante para defendê-lo.
Furacão não tentaria tão cedo uma revanche e Curumim não teria mais aquele galo “pentelho” o tirando do sério.
Furacão fora derrotado por Curumim. No entanto ficara provada para Sargento Viana uma coisa: tinha “pinta” de campeão! A luta fora equilibrada e nem o Sargento, e com certeza Furacão, esperavam que a experiência de Curumim fosse derrotada. Afinal era o campeão de vários combates. O campeão dos campeões e valia “por baixo” dois mil cruzeiros.
Começaria imediatamente o treinamento, visando às lutas das próximas semanas. Não havia tempo a perder. Furacão se tornaria um verdadeiro “matador”. Agressivo e mal humorado como todo galo de briga. Atacaria o primeiro galo que lhe aparecesse na frente. Torná-lo uma máquina de guerra, um verdadeiro gladiador era a missão do Sargento Viana. Nenhum treinador de Galos de briga desenvolve na ave a agressividade, apenas a desperta. Com um cão pode-se ensinar-lhe a trazer o chinelo, o jornal, correr atráz do dono. A um canário pode-se ensinar a comer na mão do dono. Com um galo a coisa é diferente: é um animal territorial e, como tal, propenso às brigas e combates mortais, em defesa de seu harém e seu território. São como leões alados. Seu instinto é guerreiro por natureza, o homem apenas o direciona.
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Furacão seria treinado para vencer, mesmo que na arena entrasse um campeão. Este era o valor de um galo de briga e Sargento Viana tinha os melhores.
Chegara, finalmente, o grande dia. O dia das lutas de galo. Sargento Viana inscrevera três dos seus favoritos nas principais arenas: Curumim, Fogaréu e Furacão! Este último conquistara a vaga após a demonstração contra Curumim. Se tivera coragem de enfrentar a “fera” podia muito bem enfrentar qualquer um outro e quem sabe até vencer um campeão. Seria a glória de sua criação. Estavam os três em seu auge da força e agilidade. Sua ração nas últimas semanas havia sido balanceada, a cada um deles era acrescentado um pouco de vinagre de maçã, segundo o treinador “para aumentar seu mau humor”, o treinamento incluía: retirar algumas penas do peito e pescoço, afiar-se os esporões e passar pomadas anestésicas nas costas e peito dos galos durante os combates. Alguns criadores chegavam a remover, cirurgicamente, parte das cristas para que o inimigo não tivesse onde se fixar com o bico. Em uma luta os inimigos prendem-se aos adversários com potentes bicoradas e saltam tentando cravar os esporões um no outro. É um duelo de titãs. Pequenas feras batendo-se como terríveis adversários. Quando bem encestado este golpe é potente e mortal. Define a luta e quase sempre o destino do vencido: a panela!
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Capítulo II
Chegara a grande noite. A tão esperada luta de Furacão seria logo após uma disputa preliminar de aquecimento entre Fogaréu e um desafiante mais jovem. A luta desenrolou-se a contento e Fogaréu colocou, logo no segundo ataque, o inimigo para correr. Mas mesmo assim Fogaréu não saiu da luta ileso: metade da crista havia sido arrancada pelo adversário logo no início da luta. Sargento Viana não cabia em si de contente. Começara bem.
-“Sargento, desse jeito ninguém ganha uma. Só traz “pedreira”, deixa a gente ganhar umazinha só.” O comentário era de Rodolfo um criador que iria colocar seu galo contra Furacão.
-“Vamos ver. Quem sabe o que nos aguarda.” Riu Sargento Viana retirando da arena seu campeão.
A segunda luta que a criação do Sargento Viana enfrentaria seria contra o campeão Amarelão, do criador Dr. Lucas Ribeiro, um galo com 15 vitórias e nenhuma derrota.
Este mesmo galo já havia mandado para a panela um outro campeão do Sargento Viana, em um dos campeonatos e isto era motivo de orgulho para o criador Dr. Lucas. Vencer um galo do Sargento Viana não era para qualquer um. Ainda mais que o derrotado era descendente direto do campeoníssimo Curumim. Uma verdadeira façanha.
Iniciou-se a esperada luta de Curumim e Amarelão, um galo feroz e arisco. Forte como um pequeno javali, com esporões de quase dez centímetros, que devido às regras desta luta, não estavam protegidos: a luta iria até a morte! As apostas eram altas por isso. Sargento Viana aceitara uma aposta de dois mil cruzeiros nesta luta. Confiava no seu campeão.
Curumim cego de um olho e pesado iria enfrentar sua hora da verdade. Logo no início Curumim recebeu alguns golpes certeiros, principalmente devido à sua deficiência visual, perdendo parte da crista. No primeiro descanso de uma luta que duraria três “rounds” de dois minutos, Sargento Viana fez um curativo com elixir sanativo o que parece que acirrou a ira do galo lutador: voltou à arena mais disposto que nunca e no primeiro golpe acertou uma potente bicorada no olho esquerdo do adversário, vasando-o! Antes que pudessem separar as feras, Curumim já havia arrancado metade da crista do Amarelão e num salto fenomenal jogara o inimigo ao solo. Mesmo banhado em sangue o Amarelão mostrou não ser um covarde e saltou para esporar Curumim. Já era tarde! Encontrou a morte nos esporões afiados de Curumim que se cravaram fundo em seu peito. Caíram os dois como um só. Um estertorando-se à morte o outro tentando desvencilhar-se da vítima.
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Com a derrota de Amarelão. O único galo que poderia fazê-lo perder uma luta, Sargento Viana sentiu-se encorajado em acertar uma luta de morte com seu novo lutador. Furacão entraria na arena e só sairia de lá vitorioso ou morto. Aposta de pelo menos dois mil e quinhentos cruzeiros. Muito dinheiro!
Sargento Viana lançou então do desafio: Furacão sem ter sequer lutado enfrentaria qualquer campeão que tivesse até três vitórias, era pegar ou largar. A bolsa seria de dois mil e quinhentos cruzeiros! Lógico que com esta vantagem Elias, um criador sem muita expressão, apresentou seu campeão: um galo vermelho, não muito grande que havia competido há dois meses e tinha na bagagem duas vitórias com morte. Só iria lutar se fosse com a condição de poder matar o oponente. Trato aceito por Sargento Viana. (Rodolfo o criador que apresentou ou um lutador contra Furacão, não quis apostar em uma luta nestas condições) Realmente sargento Viana acreditava na força de Furacão. Afinal este galinho tinha tido o topete de enfrentar Curumim: o maior campeão de Cascavel! Para Elias, que não tinha tanta tradição em feras da arena, mas tinha um grande número de aves, perder mais uma não significaria muito, em compensação ganhar de um galo da criação de Sargento Viana. Isso o faria ter um lutador valorizado!
A técnica de Elias era um pouco esquisita: quando um galo seu perdia na arena, seu destino era um só: a panela, e todos os seus descendentes, separados do resto da criação, tinham o mesmo destino. Possuía aproximadamente trinta animais em sua criação, algumas galinhas reprodutoras e outros galos em treinamento. Lutadores mesmo? Possuía sete. O “cabeça de Chave” era o atual campeão. Acreditava que assim estava agindo de acordo com a seleção natural de Darwin, como ele mesmo dizia: “Galo ruim e galinha são o mesmo bicho. Panela neles!” Com esta forma rude conseguia alguns resultados. Tinha um ou outro lutador bom de briga e fazia muita fé no atual campeão do terreiro: Cabeça de Chave! Seria a luta da noite Curumim x Cabeça de Chave! E combate mortal!
A luta de galo é por natureza rápida e feroz. Duas máquinas mortíferas de 2 ou 3 kilos batendo-se ferozmente na arena, levantando pó com seus saltos e provocando os gritos dos torcedores. As apostas são vultosas. Algumas vezes apostam-se carros e motos. Houvera até quem apostou a chave de uma casa em uma das lutas de uma temporada anterior.
Começara a luta e já se arrastava por dois minutos no segundo “round”. Uma luta que só terminaria com um lutador vivo ou se um deles fugisse da luta. Cada “round” durava três minutos de ferocidade. A poeira levantada pelas feras era um espetáculo à parte. Penas dos pescoços eriçadas como farpas. Pescoço esticado, como querer alcançar o oponente
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mais longe e o nervosismo dos saltos. Tudo levava a ver uma arena com gladiadores romanos dos tempos idos.
A luta estava em um impasse: nenhum dos oponentes arriscava um golpe mais decisivo. Estavam com as cristas em frangalhos, cobertos de sangue, várias penas arrancadas e espalhadas na arena que estava salpicada do sangue dos combatentes. Como em um balé mortal, quase em câmara lenta, saltaram um contra o outro e caíram como um fardo único. Como sempre acontece um estertorando e outro tentando desvencilhar-se. Não era o que estava acontecendo! Ambos estavam estertorando. As duas feras haviam se engalfinhado tão ferozmente que um trespassara o outro com seus esporões afiados. Duas mortes! Comoção geral! Nunca haviam presenciado tal fato! Dois campeões se matarem na arena, sem que nenhum tenha arredado pé do combate! Aos donos só restaria as carcaças... Para aquela arena a história de dois campeões que venceram a morte e seriam lembrados, sempre que alguém apostasse em uma “luta de morte”!
FIM