O Sonho de Judite
 
 
Eu queria mesmo é ter sido artista.
Destas de novela e que saem na capa de revista.
Quando pequena, era o meu sonho. Aos oito anos eu já trabalhava, mas sempre que podia, fugia e me escondia atrás da casa, imaginando.
Uma hora me via descendo uma escada branca muito larga com um vestido que flutuava ao meu redor. Lá embaixo, dois moços bonitos e sorridentes me esperavam com uma rosa na mão e eu sabia que os dois estavam apaixonados por mim.
Em outro sonho, eu dirigia um carro veloz. Decidida, arrumava o cabelo e partia em busca do grande amor da minha vida.
Havia momentos que eu imaginava tanta coisa que esquecia das roupas no varal e só quando minha mãe gritava desesperada eu percebia que era tarde demais e a chuva tinha molhado tudo.
Nestes dias, eu sempre apanhava. Levava chineladas, tapas, puxões de orelha. Minha mãe, furiosa, caprichava mais na sova quando via que ao invés de chorar, eu sorria.
É que naqueles momentos, eu fechava os olhos e me imaginava muito longe, em um hotel com piscina e copos de suco com canudinhos coloridos.
Quando ela se cansava, me largava e eu, dolorida mas feliz, continuava com as tarefas de casa me vendo em algum filme de cinema.
Eu acreditava. Achava que se insistisse muito, se estudasse, caprichasse na vida, seria artista.
E aí, não precisaria mais usar os sapatos da minha prima e nem os cadernos que a escola doava.
Além do mais, eu teria amigos. E teria um carro, uma árvore de natal e todos os tipos de doces que eu quisesse comer. Se eu fosse artista, até o João se interessaria por mim e quando eu pensava nisto, meu coração pulava e meu rosto queimava.
De vergonha e de vontade.
O João era o menino mais bonito da cidade. Da cidade, não. Do mundo! Ele tinha uma bicicleta azul que brilhava no sol e quando ele passava voando em frente da minha casa eu largava meu melhor sorriso na esperança que ele me notasse.
Ele nunca me via. Talvez porque eu ficava escondida atrás do portão ou talvez porque tinha uma menina rica e bonita que morava na esquina e que também sorria para ele. Eu não sabia porque ele me ignorava. Só sabia que quando eu aparecesse na televisão, João me notaria e aí me pediria em casamento e nós dois rodaríamos a cidade inteira em uma carruagem cheia de flores e de rosas cor de creme.
E foi assim que eu imaginei minha vida. Assim que pude, juntei minhas coisas e saí em busca do meu sonho de artista.
Minha mãe, com o rosto marcado pelo tempo e pelo sol das roupas quaradas no varal, não se despediu mas eu vi em seus olhos um lampejo de esperança.
Quem sabe, eu tivesse a vida que ela não teve.
Hoje, eu já não olho as revistas que habitavam meus pensamentos.
Sei que nelas estão os mesmos vestidos vaporosos e as mesmas mulheres bonitas que me acenavam.
Só que alguma coisa mudou.
Elas já não me encantam e nem me vejo desempenhando seus papéis.
O mundo às vezes é cruel, mas também às vezes mostra outros caminhos aceitáveis.
O som do telefone me traz de volta ao presente. Hora de ir.
Em casa, o riso alegre do anjo gorducho que espera pelo meu colo e por minhas palavras de carinho, me aguarda.
Nunca fui artista, nunca me casei com João, nunca fiquei em um hotel com canudos coloridos em copos na beira da piscina, mas todos os dias fecho meus olhos e continuo acreditando.
Às vezes, as lágrimas também são de felicidade.


 
Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 23/07/2013
Reeditado em 30/07/2013
Código do texto: T4400949
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