APAIXONADA

Pegou a bolsa apressada, passou a chave na porta e em sua quase corrida tropeçou no batente da calçada. Soltou um palavrão, limpou a fileirinha de sangue no joelho com a palma da mão e entrou no táxi que já a esperava a um bom tempo (o que explicava, provavelmente, a cara de poucos amigos do motorista). Além de estar sendo traída descaradamente por um gigolô filho da p., ainda tinha que agüentar a cara enjoada de alguém que seria pago pelo serviço. Eita dia!

Ao descer do carro, ignorou a calçada esburacada e foi brindada com mais um tombo – e que vontade sentiu de torcer os três ou quatro pescoços que se voltaram para a cena...! Entrou decidida no decadente reduto boêmio e apertou nervosa o botão do elevador – o bilhete era claro, não tinha como errar. “Às onze e meia no restaurante do Hotel Soledade. Tenho uma surpresa, além dos beijos de sempre. Te amo”. Logicamente que a farrinha seria paga com o seu suado dinheiro.

Sentia sobre si os semblantes das amigas, vitoriosas por já haverem alertado sobre o caráter daquele safado, cafajeste, pilantra. Mas ela resistira às advertências. Claro que resistira. Confiou no seu taco, julgou-se esperta, suficiente. E no que deu... Fora passada para trás como uma colegial boboca, arrebatada pela primeira paixão.

Ódio. Muito mais do que tristeza o que sentia era ódio. E como não era de premeditar, sequer sabia o que fazer agora que estava de pé, em frente ao casal de amantes, que a olhavam estupefatos. Trocada por uma de vinte, aos quarenta. Que prosaico. A jovem, que nada devia, estética e estilisticamente, àquelas que rodam a bolsinha em ruas suspeitas, levantou-se afetadamente, com um cigarro entre os dedos de longas unhas vermelhas e desapareceu em um daqueles corredores encardidos.

O traidor também levantou-se, puxando a traída pela mão. Não se sentia à vontade de ter aquela conversa no local do crime. Após quinze minutos, já no carro que ela lhe dera de presente no ultimo aniversário, as primeiras palavras foram ditas. “Meu amor, não é nada do que você está pensando”. Ela sorriu sarcástica, decepcionada com a falta de criatividade. Ele tomou-lhe as duas mãos, beijando-as avidamente, os olhos rasos d´água – daria um belo ator mexicano. “Trata-se de uma prima, vinda do interior, sem ninguém por ela”.

A trama dramática tranformava-se em dramalhão de quinta. Sentiu vontade de rir, mas controlou-se. Que cara-de-pau. Ela passou-lhe o bilhete amassado. Sentiu a distonia característica na mão que recebeu a infame missiva. “Não tenho o que dizer. Enquanto tentava ajuda-la, nos envolvemos. Mas hoje era a nossa conversa definitiva. Eu não conseguiria viver sem você”. Apesar de sentir verdade em suas palavras, manteve-se dura. “Há tempos que ela me persegue, você viu o tipinho... Não se compara a você, meu amor”. Realmente, pensou. Ela já vira muitos filmes de perseguição obsessiva de psicopatas que eram passadas para trás. “Você tem trabalhado tanto, sempre viajando...”. Ele tinha razão, metade do mês passava fora de casa, dera espaço... Mas, calma! Não podia aceitar aquilo, não podia.

Só que ele jogava baixo: beijava seu pescoço tão convincentemente, afastando com delicadeza os cabelos que caíam sobre o ombro esquerdo... Um a um os botões da blusa iam cedendo às mãos ágeis e precisas. Não precisava mais explicar nada. Ele tinha razão. Tiraria umas férias, viajariam juntos e suas amigas não precisavam saber de nada. Nada que não fosse sua felicidade.

ILZA CARLA LOPES
Enviado por ILZA CARLA LOPES em 03/04/2007
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