Harada

Á Éder Jofre

Aturdido .O upercut do japa foi letal . Sacudiu – me o cérebro e não cuspi pensamentos talvez por erro metabólico e o protetor na boca . Beijo a lona morna , tresandando a terebintina e borracha queimada. A contagem avança e nada posso fazer : caído , o cérebro em geléia com eczema ; retorno aos poucos ao mundo dos vivos , agora mal definido e claro -escuro.Seven , eight ...começo a levantar – me , arremeto contra o tigre amarelo que não é de papel : o cara é um puta rolo compressor , não sabe direcionar a força que tem , ainda é uma explosão acidental , porrada sobre porrada , força da natureza ou seja lá o que nos jogou nesta noite, aqui em cima , nesta lona , divindades instantâneas de caras deformadas , aspirantes á explosão do Krakatoa , talvez findos feito traques de sala ou suspiro agonizante em alguma UTI do vasto mundo lá fora .

Encaro – o, ele tenta conduzir-me á dança da morte no centro do ringue : um gancho e dois jabs explodem – me nos antebraços , penso engolir em seco , mas percebo o calor salgado do sangue ainda deslizando por trás, na faringe . Meu pai acena pedindo tempo e recebo uma toalha para enxugar o jato de água fria que me lambe o rosto de cima abaixo.

- Éder , esse cara não luta porra nenhuma , meu filho .Você é o melhor . Encara, decida isso, porra ! Fecha mais a guarda á direita e tenta acertar esse puto na mandíbula!

Massagens, massagens, ombros pesando tal bolas de boliche , sinto a aproximação do cansaço rastejante dos quatorze rounds selvagens . Novamente no centro ; para o clinch rapidamente; o juiz sinaliza , de soslaio vejo seu rosto de raposa faminta, olhando para mim.

Harada castiga-me o fígado com brio e fúria samurais ; minha musculatura vibra a cada golpe ; um jab de canhota no malar direito , mas ele nem nem, tento um direto , bloqueado pela luva esquerda e o punho , ele vacila ,como que atordoado , a multidão urra ; querem sangue para lavar a monotonia de suas vidas , passar minha hemoglobina no pão torrado, com ovos e bacon e colorir o suco de laranja da Flórida no café da manhã ; todos somos sádicos , todos queremos ver a derrocada do outro, uns de luvas, outros espatifando-se num guard rail , o cérebro ao sol, sobre o asfalto, na manhã luminosa num moderno coliseu qualquer ;os braços dos novos cristãos entre os dentes dos leões de Nero ; somos todos uns filhos da puta em busca da morte , disfarçada em aplauso e lágrimas ; no ringue , crias da evolução, triturando-nos pela fama e glória , em estraçalhamento ordeiro , limpo e regulamentado ; descarrego- lhe dois diretos no tórax, que meu velho chama de plexo solar, puxa, quanta doideira penso tão rapidamente ; bato agora com toda a fúria , um bate-estacas sobre seus rins , mas o sujeito é manhoso , encosta – se nas cordas , o juiz se aproxima e me adverte sobre porra nenhuma que eu compreenda , esse fox face não me cheira bem , a essa altura não faço a menor questão de dissimular ; reaproximamo-nos, sinto o cheiro do japa , ele bate uma luva contra a outra ; sinto o resfolegar fedido de sua respiração, o suor pulando das suas luvas sobre o meu rosto , seus pequenos olhos vermelhos , apertados, um diminuto corte rasga-lhe o supercílio esquerdo ; fecha-se como uma ostra , recebo um upper sobre a orelha esquerda , sinto o ardor do sangue procurando espaço , recuo , recuo , tombo contra as cordas , viro-me em guarda fechada e a tempo de atingir-lhe o frontal , ele negaceia o corpo tardiamente , a multidão dá outro levante , são apenas gente cansada de apanhar doutra forma ,quem sabe é apenas isso e nada mais ; não , não importa , pagaram e querem ver porrada , que tenham porrada e me passem o cinturão , ali , sobre a mesa dos jurados , largo e brilhante tal a cauda dum cometa.

Soa o gongo . Termina a luta . O juiz consulta os jurados , chama – nos para o centro do ringue , ergue em triunfo o braço de Harada , abraçamo–nos , somos civilizados , nosso ódio tem duração e intensidade definidos,apenas a frustração pode ser infinita. Colocam-lhe o cinto, carregam-no sobre os ombros , ecoa uma ovação retumbante pelo estádio ; retiramo-nos eu e meu pai , entre a multidão ululante .

Nota do Autor: Ficção sobre fatos reais, em homenagem a Éder Jofre , nos 50 anos da conquista do título de Campeão Mundial Unificado Categoria Peso Galo (Federações americanas e européias) , detentor de78 vitórias, sendo 50 por nocaute, 02 derrotas e 04 empates. A narrativa enfoca a primeira de duas derrotas contra Masaiko “Figthing” Harada , campeão mundial Categoria Peso Galo, em 1965.

andre albuquerque
Enviado por andre albuquerque em 09/06/2013
Código do texto: T4332357
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