A Linguagem de Deus


Ele cresceu no mato.
Criado por avós idosos, brincava no rio, comia das frutas no pé.
Quando a noite caía, a cama rústica servia para o descanso.
Assim vivia.
Um dia sentiu o vento. Parou com o ouvido atento e escutou o que a brisa tinha para dizer.
Depois que o vento falou pela primeira vez, ele mudou.
Passava noites seguidas, ouvindo a mensagem que o vento trazia.
E aprendeu. Aprendeu a escutar a chuva, a ver o milagre nas plantas e a perfeição do que a terra gerava.
E então, começou a transformação.
Uma vez tinha ouvido alguém falar de Deus e se perguntou se era Deus quem agora se manifestava pelo vento.
Em uma noite de lua cheia, fez a pergunta para o vento que respondeu.
Era Deus.
E agora, homem feito, chorou.
Deus falava com ele.
A alegria foi tamanha que quis contar para outros a magnitude, a bondade, a beleza e a simplicidade de Deus, mas não havia ninguém.
Então, quando os avós fecharam os olhos pela última vez, ele partiu.
A cidade o recebeu com frieza.
Ninguém se interessou pelo que ele tinha a dizer.
Por mais que tentasse falar para aquelas pessoas sobre Deus, não compreendiam.
Na cidade, Deus era diferente.
Era um deus mais exigente, que queria templos gigantescos, perfumes, representantes, música e riqueza.
Era um ser que punia, castigava, testava e escolhia.
Havia até um deus que servia para um grupo mas não servia para outro.
E ele não entendeu. Havia sentido a presença divina e não se encaixava no que diziam.
Quis argumentar, mas a multidão irada, escarnecia do que ele falava.
“É preciso ser letrado, instruído, estudado”. Gritavam.
“É preciso pagamento, vestimenta, sacrifício, ser temente, saber as falas de cor e salteado”. Berravam.
E ele, duvidando que falavam da mesma criatura, não acreditou no Deus que apresentavam.
De volta à casa, buscou ao Deus que conhecia.
E viveu por muitos anos. Não soube definir o que sentia a cada vez que fazia uma oração. Era um aperto no peito feito uma felicidade que não cabia na alma.
Para ele, a vida foi de comunhão, mesmo que nunca tivesse sabido uma só palavra ou uma letra do que na cidade, insistiam em definir como religião.
Deus, para aquele homem nunca coube em um livro, uma moldura, uma fórmula ou uma construção.
Ele teve a sabedoria dos iletrados e a humildade típica das almas puras.
Porque Deus tem uma linguagem própia e fala a cada um de nós da forma como só nós podemos compreender, mesmo que para isto, precise usar apenas o vento no meio da noite.

 
Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 31/05/2013
Reeditado em 02/06/2013
Código do texto: T4318651
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