LEMBRANÇAS NA TERCEIRA IDADE
___As boas lembranças do passado, também chamadas de saudades, trazem alegrias. Ao contrário, nos deixam tristes. Quanto ao futuro, não sabemos com certeza aonde vamos chegar.
I. A farra do peixe
___Pescar no açude e depois fritarmos os peixinhos no braseiro era uma farra. Naquela época, até o sal era difícil de ter em casa. Quando a fome apertava, às escondidas, farinha de mandioca seca com água solucionava o problema.
___O meu nome é Rosália e tenho 75 anos. Morava numa casa humilde, construída a pau a pique – um mocambo pequeno com dois quartos, sala, cozinha e piso batido de barro vermelho –, com um banheiro do lado de fora. Eu, a minha mãe Glória e as irmãs, Rita, Ana e Margarida, sobrevivemos diante de situações de miséria. Leite não existia, e quando acabava a farinha com sal, íamos apanhar frutinhas vermelhas no mato, que pareciam pequenas melancias. Quando não apareciam as frutas do mato, nem os peixinhos para pescar, ficávamos com fome.
II. O primeiro emprego
___Aos oito anos, fui a primeira das irmãs a conseguir um emprego em casa de família. Foi quando comprei uma panela de barro para a minha mãe. Um ano mais tarde, Rita, Ana e Margarida foram trabalhar e seguiram o mesmo destino. Aos poucos, fomos erguendo o lar e todo mundo admirava o nosso esforço, porque éramos fortes e não desistíamos diante das dificuldades.
___Felizes, passamos a comer bacalhau. O peixe não era tão salgado como os de hoje, mas, uma delícia. O charque, quando possível, trazia para uma saborosa refeição com farofa e café. Contudo, o alimento, pobre em nutrientes, deixava a nossa pele bem amarelada.
___ Mamãe não ficava parada e sempre lavava roupas pra fora. Lavava e passava em ferro aquecido a carvão. Ainda lembro do cheiro da fumaça que invadia o ambiente e deixava tudo num clima majestoso, próprios da infância. Até posso imaginar, sentir o calor e ouvir o estalido do carvão no fogo.
III. Os vizinhos
___Vivendo em um período de complicações políticas, nem todo mundo podia sair de suas casas, porque a Liga Contra Mocambos derrubava as moradias.
___Os casebres eram construídos clandestinamente e o dinheiro insuficiente não dava para comprar cercas, então, tomamos um espaço muito pequeno.
___Perto de casa morava um casal de vizinhos, a Dona Anália e o Seu Malaquias. A mulher não era uma pessoa muito boa, o quanto parecia. Antes de conseguirmos emprego, quando chegava à nossa casa, ela esnobava e questionava:
___- Hoje eu comi muito feijão com charque e farinha.
___- Hum, o almoço estava uma delícia!
___- Tem muita gente por aqui com fome, né, Comadre Glória?
___Humildemente e de barriga vazia, a minha mãe respondeu:
___- Não, Senhora, ao menos por aqui, ninguém passa fome.
___- Não é mesmo, Rosália?
___Pude responder com ar de tristeza no coração, pois a nossa mãe nos orientava a dizer que estávamos bem alimentadas, mesmo que os nossos estômagos estivessem colados nas costelas. Tudo isso para que não fosse dada muita satisfação da situação na qual vivíamos. Em verdade, o que a vizinha fazia conosco não era brincadeira.
IV. Alegria de pobre dura pouco
___Nada faltava na casa de D. Anália, isto é, até o momento em que passaram a morar com um casal de amigos. Era o fim da picada e tudo foi por água abaixo quando o esposo abandonou o lar, porque não suportava os novos moradores indesejados.
___Depois disso, como diz o dito popular: “alegria de pobre dura pouco”, à penúria, a “coitadinha” foi esmorecendo até sucumbir. Dona Alzira e o Seu Zacarias, o casal desconcertante, tomou conta do lar e, tão logo, expulsou-a, sem direito a levar nada, ao menos uma trouxa de roupas.
____Certo dia, D. Anália apareceu com um saco nas costas:
___- Comadre, eu vim aqui porque estou passando tanta fome.
___- Quem era eu, matava a tua fome e das meninas, né, Comadre?
___- Veja só em que estado fiquei, estou com tanta fome.
___A minha mãe apenas respondeu:
___- Não fique triste, Comadre Anália.
___Então, colocou em sua sacola de tudo um pouco: café, sal, charque, bacalhau, açúcar e farinha.
___- Comadre, se eu não morrer de fome, um dia apareço novamente.
___- Vai com Deus, Anália, respondeu mamãe!
___- Muito obrigada pelo alimento! Nunca vai faltar comida na sua mesa.
___E foi desta forma a despedida de D. Anália, que nunca mais retornou.
V. Viver e ser feliz
___Ainda bem jovem, aos 17 anos, conheci um príncipe encantado, o meu esposo Pedro. Em seguida, passei a trabalhar numa fábrica de alimentos, onde me aposentei.
___Frutos do relacionamento nasceram os filhos: Alberto e Bartolomeu. Cresceram e cada um seguiu um destino legal e merecido. Quanto à minha mãe, nos deixou aos 73 anos. Já, as adoráveis irmãs, todas elas são viúvas e cada uma tem a sua casa própria, filhos e netos.
___Mesmo diante de todas as dificuldades, não devemos deixar de viver o lado bom da vida. Aproveitar cada instante de felicidade é essencial para quem busca a realização dos sonhos.
___Vale mais, recordar o passado bom, viver o presente e ser feliz.
(Imagem: Terceira Idade Conectada)