Homem-continente
Alguém disse que nenhum homem é uma ilha. Como podia, então, ele manter distâncias continentais de outras pessoas? Só. Ele estava só. Pela manhã, arrastava os chinelos até a porta, onde recolhia o seu jornal. Lia sobre o que estava acontecendo no mundo, praguejava alguma coisa e mantinha longos diálogos consigo sobre as mudanças que julgava necessária para a sociedade. Chamava os políticos de corruptos e os vizinhos de fofoqueiros. Suas mulheres? Todas umas golpistas. Seus amigos? Uns falsos. Só podia contar com ele mesmo. E com o jornal que recebia todas as manhãs. Nem sempre foi assim. Era um grande homem. Forte, poderoso, inabalável. Fez de tudo para enriquecer e conseguiu atingir seu intento. Provou de todas as glórias, todos os luxos, mulheres, elogios, festas lotadas. Sua palavra, era solenemente respeitada.
E ele envaidecia de si mesmo, de sua própria lenda. Sentia-se vigoroso, perene, amado. Seu sangue, era nobre. Por isso mesmo, não respeitava a opinião alheia. Por isso mesmo, quando ele falava, os outros calavam-se. Por isso mesmo, queria ser amado, idolatrado. Por isso mesmo todos se foram. Eis que, hoje, velho. Permanece em meio a riqueza. Sua fortuna lhe faz companhia. Somente ela. Todos os outros se foram. Não eram dignos de compartilhar do mesmo ar que ele respirava. Ele arrastava seus chinelos para lá e para cá. De vez em quando, via a vida lá fora, por alguma fresta. Não atendia quem batia à porta. Quase sempre eram vendedores. Ou o jornaleiro, para cobrar a mensalidade. Até o dia em que o rapaz mudou de profissão. O jornaleiro parou de vir. O jornal, ele parou de assinar. E assim, se tornou uma ilha. Incomunicável. E ele vivia feliz, saboreando a sua própria infelicidade.