A PARTIDA
Acontecera dois dias após a morte da mãe. A menina não chorava. Comia regularmente e desempenhava as atividades do dia com a fraqueza de idéias, que sempre lhe acompanhara.
Pelas tantas da tarde, o avô a mandou chamar. Maria Carmem precisava saber das mudanças. Da viagem. Levariam-na para morar no sítio. Não havia sentido ficar na cidade. A casa do Juca era pequena. Ele já tinha três filhos.
Maria Carmem não conhecera o pai, percebia no tio Juca rastros de figura paterna. Embora as idéias lhe chegassem com morosidade, a mãe era-lhe um escudo que lhe supria a carência de entendimento. O amor da mãe e o esforço presente haviam trazido progressos à menina. Alguns progressos.
- Maria Carmem, amanhã partiremos. Vamos para o interior. Você ficará morando comigo agora. Naninha, a mulata, cuidará de você.
A menina observava o velho com olhar profundo. Talvez não entendesse direito o que aquele senhor de barba crescida estava a dizer. A mãe não estava ali.
Foi levada ao quarto, a bagagem organizada. Dormiu tranquilamente naquela noite. Lembrou-se ainda da mãe, que não estava enquanto o avô lhe falava.
No dia seguinte, eram muitas vozes na casa. A mala foi levada ao carro. Naninha se aproximou de Maria Carmem e a puxou pela mão.
- Vamos, menina. Teu avô é impaciente. Quando ele se despedir do teu tio, teremos de estar lá.
Os meninos do tio Juca corriam pela casa. Juca e o pai conversavam sobre Maria Carmem.
- Vai ficar lá no sítio. Naninha cuida dela. O cachorro e o gato lá de casa só cheiram a perfume. Naninha cuida dela. Com escola eu não vou gastar. Eram umas besteiras a mãe dela se preocupar com isso.
O tio insistia que a menina ficasse.
-Não. Vai tomar contar dos teus filhos, Juca. Não tem mais espaço na tua casa.
Juca viu Maria Carmem ser levada para o carro. Caminhava como um animalzinho a que puxavam. Ao lhe ver, a menina sorriu. Fez menção de ir a sua direção. Não concretizou. Naninha a puxava pelo braço.
- Se pelo menos mamãe fosse viva. Não faz sentido, papai.
- Cuide de seus filhos, Juca, Maria Carmem vai morar comigo. Obedeça-me e assunto encerrado.
Do carro, Maria Carmem os observava. Com satisfação, o viu caminhar em sua direção.
Tio Juca a abraçou e beijou-lhe a testa.
O carro partiu. Maria Carmem acenava com delicadeza. Logo que dobraram a esquina, Naninha ordenou-lhe que se encostasse ao banco e subiu o vidro.
Juca trancou as portas e voltou para casa com os filhos. A mulher os esperava: eles e Maria Carmem.
No carro, o avô conversava com o motorista. As chuvas teimavam em não vir. O gado estava magro e o verde sumindo no sertão. Mas ainda tinha o seu açude e o seu pasto. Enchendo o bucho dos ‘bicho bravo’, estava bom demais. Lembrou-se da neta.
- Maria Carmem, você vai gostar da nova vida. Naninha vai cuidar de você. Eu garanto que não vai lhe faltar o que comer.
A menina observava o avô com olhar inquieto. Talvez não entendesse direito o que aquele senhor de barba branca estava a dizer. A mãe não estava ali.