Pausa

Clara parecia um poço de tranquilidade. Mas por dentro era um turbilhão. Emoções que afloravam tortas e sem sentido. No metrô lotado, lá ia ela pensando na vida. Ou melhor, em como poderia ser a vida se não tivesse feito isso ou aquilo. Sua mente ansiosa, não permitia calmaria. Era tudo intenso, era tudo adrenalina. Entre tantos rostos invisíveis daquela superlotação, viu uma senhora de uns 70 anos, sentada ao lado de uma jovem, que devia ter seus 20 anos e estava grávida. Ambas tinham no olhar o peso da vida. Em determinado momento, a senhora corajosamente resolveu começar uma conversa com a jovem grávida: "Está de quantos meses?", ao que ela respondeu, "Vou fazer quatro agora". Dali se travou uma conversa aparentemente banal, dessas bem típicas das aglomerações dos trens e vagões de metrô nos grandes centros urbanos. Clara que naquele dia havia esquecido seu fone de ouvido, esqueceu um pouco de sua ansiedade rotineira e entreteu-se com o diálogo daquelas recém-conhecidas. A jovem dizia que estava para ficar desempregada e não sabia como seria sua vida de mãe solteira. Enquanto a amadurecida senhora disse que teve seu primeiro filho aos 17, e hoje já tinha netos, mas vivia uma vida solitária e mesmo aposentada tinha que continuar a trabalhar. Clara ficou um tanto atônita diante do relato dessas ilustres e ao mesmo corriqueiras personagens, que se desnudavam diante dela sem muita cerimônia. Ambas precisavam de um ouvido, de alguém pudesse ver as lágrimas escondidas no canto do olho.

E era isso o que acontecia, a jovem que em breve seria mãe dividiu um pouco da sua angústia perante o quadro de incertezas que se desenhava em sua vida. A senhora por sua vez também tinha urgência do afeto de um ouvido acolhedor diante dos sofrimentos que enfrentava. Até mesmo Jesus precisou de alguém que o ajudasse a carregar a sua cruz.

E não é preciso muito para que o outro possa se desvelar, e tornar mais leve o seu caminhar: um pausa atenciosa às vezes basta. Em dias como os nossos, em que se canta, "por hoje não me conte seus problemas", e as pessoas estão cada vez menos dispostas em se condoerem com a dor do próximo, as duas mulheres fizeram o contrário, e experimentaram na alma um sensação libertadora.

A voz que anunciou a última estação, fez as duas despedirem-se com tímidos sorridos e feições mais aliviados. O dia de Clara prosseguiu. Dessa vez, um pouco mais pausado. A ansiedade em torno de si mesma, deu lugar a um olhar mais vagaroso a sua volta.

Isa Fiore
Enviado por Isa Fiore em 28/02/2013
Reeditado em 01/03/2013
Código do texto: T4164291
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