Salinas da região dos lagos
Não era a primeira vez que olhava as salinas, em sucessão harmônica acompanhando a estrada. Naquelas ocasiões, o pensamento se afastava da realidade e do habitual, impedindo um raciocínio lógico. Provavelmente, não teria condições de responder a qualquer pergunta que lhe fosse formulada, se é que conseguiria ouvi-la...Quando regressava das viagens, era como se regressasse de um sonho; o cansaço sempre em dobro pelo estado de tensão em que ficava; algumas vezes teve ímpetos de abandonar tudo. Quando criança, uma atração extraordinária e irrefreável fez com que colocasse a mão através da janela do trem para tocar o paredão; levou preguiçosamente os dedos da mão direita e o contato com os grânulos do cimento lhe assustou a pele. Muitas vezes, aquela sensação indomável lhe atravessava a vontade, obrigando-o a proceder de modo desconexo. As viagens tinham revelações surpreendentes, como a capela rústica numa elevação junto ao mar; seu adro era um pequeno cemitério, onde os grossos muros marginais eram sepulcros. Embaixo, o mar enfurecido atacava a praia de areias vermelhas...Refletia às avessas sobre a gratidão. Gratidão tem sempre um período de carência; após um prazo determinado, só os convictos agradecem...Diante dos seus olhos todas as coisas passavam a ser personagens centrais de uma peça; seus olhos abriam-se como se quisessem ver o mundo inteiro. Nada via de extraordinário, além da recriação das coisas mais simples. Agora, os galhos, as cercas, as pontes e as salinas lhe davam um sentido puramente plástico; sempre a mesma lembrança angustiante, as mesmas frases, a mesma cena se desenrolando vertiginosamente. Seus olhos nada mais viam, a tensão que o acompanhara abandonara-o; era menos que uma sensação de humildade era uma sensação de humilhação, que o envolvia e o abraçava lascivamente, aquecendo-o.