Uma volta.

Desci as escadas, esbaforido e aflito, com o corpo quente e bastante suado, em direção ao ponto. Aquela situação muito me chateava, não gostava mesmo daquela coisa: rua, pessoas, carros, olhares – Fazia de tudo para evitá-las. Claro que nem sempre com sucesso.

Chegando ao ponto avistei uma turma de típicos valentões do colegial, tinham entre catorze e dezessete anos, havia também ao redor umas garotas. Foi claro que eles estavam com seus extintos à flor da pele, querendo a todo custo impressionar as fêmeas.

Portanto, esquivei-me deles, dando assim alguns passos a mais pro lugar onde eu desejava sentar e por algumas eternidades esperar a condução. Mas meus planos foram frustrados, os assentos estavam todos ocupados, por senhoras e senhores harmoniosos e fadados. Acomodei-me como pude. Eu sabia o número e o nome do ônibus, sabia até sua cor para me assegurar que o era. Mesmo sendo assim, minha ansiedade e insegurança uniram-se com a incerteza, fazendo com que eu quisesse outra confirmação.

-Bom dia senhor, poderia, por favor, tirar-me uma duvida?

-Pois não, meu caro. Respondeu ele, sorrindo.

-É que preciso ir para Rua Dr. Otavio João, mas não tenho certeza de qual ônibus pegar, saberia me informar?

-Olha amigo -- Disse ele, pensativo e com um olhar distante - Lá para Otavio João só tem um, que é o 1105, amarelo. Disse ele com confiança.

Agradeci e projetei meu corpo em direção a pista, estava certo, mas foi bom confirmar.

Passaram-se cerca de uns 5 minutos, impaciente, acendi um cigarro. Percebi que incomodei uma senhora resmungona que estava do meu lado, afastei-me dela, foi quando meus olhos passearam e acabaram fixando-se numa cena, um tanto estranha.

Três sujeitos negros, magros e sem camisas, andavam entre dois outros homens negros, mas ao contrário dos três, bem vestidos, com bonés e óculos escuros - como quem tivesse a intenção de esconder o rosto- um deles na frente e o outro atrás, conduziram o grupo até uma árvore, a mesma que fazia sombra para o carro deles.

Os rapazes sem camisa, sentaram no chão e com as mãos para trás, como quem está algemado. Os dois homens, fortes e robustos, com aparência de policias a paisana, estavam em pé, de braços cruzados, tinham expressões faciais fortes, seu rosto se contraia, seus lábios se abriam e fechavam como garras. Não consegui ouvir o que falam, não sei nem se queria, aquilo me assustou muito, procurei não olhar, mas aquela situação me provocava um desconforto tão grande que não pude evitar. Algumas vezes meus olhares se cruzavam com um dos negros sentados, ele tinha um olhar endiabrado, um espírito de rato, eram sujeitos do pior tipo.

Já eram 11h30min, tinham vinte minutos que estava ali, nada da condução aparecer. Meu cigarro já tinha acabado, nem percebi, continuei com ele entre os dedos por instantes, para depois dar-me conta. Acendi outro, afinal, estava nervoso, não havia trazido um livro, o cigarro foi o que restou.

Dei alguns tragos, e avistei, era ele... Amarelo... 1105... Acenei.

Joguei no chão meu cigarro, nem deu tempo de pisar para apagá-lo, corri para porta do ônibus, saltei e fui passar pela roleta.

O cobrador era um homem feio, um idoso com um grosso e maltratado bigode, um palito de dente mordido e babado, que ele tirava e colocava na boca, com sua mão, a mesma que coçava a careca e pegava o dinheiro.

-Bom dia, amigo. Tentei ser simpático e educado. Não obtive resposta, passei a catraca e procurei um lugar para sentar, em vão...

Fui aos balanços do ônibus, subindo o viaduto, passando pela Sargento Alencar, vejo a praia e umas saias, até que então um homem magro, com óculos quadrados levanta, estava vestido com um paletó bastante usado, desbotado, seus sapatos pareciam ter sido engraxados a pouco tempo, o que melhorava a situação, tinha um grande e pontudo nariz e uma fina boca.

Foi em direção a porta dianteira, tinha chegado o seu destino, adiantei-me e sentei no seu lugar. Uma senhora negra e vistosa dormia do meu lado, apoiada na janela, tentei olhar seu decote, mas não consegui fazer isso discretamente, desisti.

Estava perto do meu destino, eu tinha fome e sede, uma dor de cabeça forte surgiu sem ser convidada. Senti pontadas na testa todo o caminho até em casa, desci no ponto, ainda esbaforido e aflito, estava a uns trezentos metros de casa, eram alguns passos, era um caminho tranqüilo, mas no meu bairro o fluxo dos valentões do colegial é ainda maior, o clima é chato, a rua é tomada de um espírito e sensações estranhas, os olhares devem ser medidos e policiados, os gestos calculados, tudo pode ser interpretado de uma maneira equivocada, era o que eles queriam, eles estavam ali porque amavam aquilo, é importante para eles esse contato corporal, essa troca de agressões, fazer o que? É cultura, só não a minha.

Caminhei até o prédio, ainda tinha um cigarro no bolso e uns restos de fumo na carteira, peguei o derradeiro e amassei a carteira, procurando diminuir seu volume e a guardei no bolso.

Coloquei o cigarro na boca, e com a mão esquerda tirei do bolso um isqueiro, parei junto a um muro e acendi, guardei o isqueiro e segui. Desci a ladeira que dava ao edifício, o cigarro ainda estava aceso, encostei-me no portão e fumei, entrei num intenso exercício intelectual, pensava sobre muitas coisas, tinha algumas reflexões, muitas dúvidas. Não dei conta e o cigarro havia acabo sem eu perceber, estava mais calmo, tinha chegado em casa, longe da rua, pessoas, carros, olhares... Quase feliz, entrei na cozinha, bebi um copo com água, tirei a camisa, alcancei meu livro na estante e sentei-me próximo a janela. Pus-me a ler.

João Caetano
Enviado por João Caetano em 10/01/2013
Reeditado em 21/05/2013
Código do texto: T4077506
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