UMA LÁGRIMA ESCARLATE
Passeando sobre o fio de pedra, o garoto era um equilibrista. O sol preguiçosamente se escondia no horizonte, irradiando a tela azul com tonalidades diversas. Voltava da escola.
Caminha confortavelmente, como quem tem nos pés a firmeza da vida. Caminho estreito e perseverança no passo.
A dois quarteirões de casa, o menino observa a aglomeração de pessoas na esquina da Rua Arnaldo de Queiroz. Luzes e sirenes. Polícia. Ambulância.
A moto avançara na curva. O vermelho contornava os corpos. A lateral destruída do carro. O menino parou. A mãe lhe ensinara a não se aproximar dos acidentes.
No fio de pedra, sentou.
Mais um caso para alimentar as estatísticas. Os homens, apressados, não se encontram; marcham rumos indefiníveis. Trazem consigo o desequilíbrio nas ações, perdem-se no mecanicismo emergente.
De mochila surrada nas costas, e fardamento escolar, a águia observa.
A vida se esvai.
A polícia dá ordens. Os médicos realizam esforços. O menino escuta conversas e risos. O trânsito é bloqueado.
O garoto lembra-se dos telejornais que recheiam os horários do almoço. As agruras de uma vida sem norte. A morte noticiada com avidez, como quem degusta cabos de guarda-chuva.
A moça que chega luta para abraçar-se ao corpo estendido no chão. Aquele que voara da moto. As forças lhe faltam, chegam-lhe os soluços. Gritos de dor e sussurros de ausência.
O sol dá passagem à noite.
Os ventos sopram, espalhando estilhaços de vidro no asfalto. O sangue escorre, lembrando as vítimas socorridas. As pessoas retomam as atividades, até que tudo se repita.
Não há pausa. Não há silêncio. Não há corações humanos.
De pé, o menino se perde em suas cogitações e caminha.
Seus passos ressoam no asfalto, passa do lado oposto. A mãe lhe ensinara a não se aproximar daqueles locais.
O vermelho se alastra na pista, rabiscando contornos ininteligíveis.
Na aula, os ensinamentos do trânsito. O farol vermelho sinaliza ao escalarte da vida, que se dispersa sobre o tapete negro. O homem violenta-se, transgride o eu, despreza suas normas.
O garoto retoma o fio de pedra. Caminha confortavelmente, como quem tem nos pés a firmeza da vida.
Não há pausa, e nem silêncio. Não há corações humanos. O homem desconhece a vida.
No final da rua, o garoto olha para trás. O vermelho se alastra no asfalto. Então, sente os olhos pesarem de repente. O homem desconhece a vida. E na pele macia do garoto desce uma lágrima, que reflete o vigor da vida, derramado no asfalto.