O desconhecido
Por mais que seus pensamentos buscassem uma resposta, não conseguia se lembrar de onde conhecia aquele rosto. Não havia dúvidas de que já o vira antes. Um rosto comum, envelhecido pelo sol, olhos tímidos, nariz másculo, boca entreaberta, deixando à mostra seus dentes alvos.
Olhava insistentemente para ele, a ponto de deixá-lo constrangido pelo inesperado da situação. Sentados frente a frente, era impossível que não se vissem. Naquela hora, o metrô estava vago e eram poucos os passageiros em pé, tornando mais fácil a investigação amadora.
Ela vasculhava no mais recôndito de suas memórias, na esperança de descobrir de onde o conhecia. Todas as tentativas foram em vão.
A cada estação, seu desespero aumentava. Sua estação se aproximava. Se descesse, perderia a chance de encontrar aquele homem outra vez e de descobrir aquilo que a atormentava desde que o vira sentar-se à sua frente.
Sempre tivera memória fotográfica. Mas, aquele homem era uma incógnita. Virou desafio. Virou questão de honra. Transformou-se em obsessão. Precisava descobrir quem ele era. Pensou em não descer na sua estação. Pensou em esperar o homem descer e segui-lo. Sim, segui-lo. Por que não? Sabia que se não desvendasse o mistério não dormiria naquela noite.
Mas, ao mesmo tempo que aquela ideia pairava sobre sua cabeça, a realidade se apresentava. Esperavam-na em casa. Tinha que preparar o jantar. Se se atrasasse, como explicaria? Não sabia mentir. Ia ter que contar a verdade. Como seria ridículo tudo aquilo.
Lutando contra o tempo, escavava suas lembranças. Pensava em suas andanças: consultórios médicos, bancos, lojas de roupas, supermercados. Nada.
Sua angústia atingiu o clímax. Sua estação era a próxima. Seus pensamentos de segui-lo se dissiparam. Como um jogador que espera fazer um gol aos 47 do segundo tempo para salvar seu time, a mulher manteve essa esperança de milagre até o último segundo. Quando não era mais possível esperar, levantou-se de seu assento e caminhou em direção à porta com a cabeça baixa e um olhar derrotado.
Numa última tentativa, olhou para trás. Para sua surpresa, o homem também descera naquela estação. Suas esperanças se renovaram. Hipóteses surgiram: ele morava no mesmo bairro, talvez fosse um comerciante, um motorista de ônibus, o porteiro da escola de seu filho.
Da estação até sua residência, a caminhada durava cerca de dez minutos. Andando mecanicamente, a mulher seguia em direção à sua casa. Pensava no que fazer quando o homem se desviasse. A vontade de segui-lo aumentou. Dessa vez não deixaria a oportunidade escapar.
Mas, o homem seguia em frente, como quem abria caminho para ela. Quando ele entrou na sua rua, ela pensou: "ele deve ser meu vizinho." Agora tudo fazia sentido. Talvez um vizinho que se mudara há pouco. O homem percorreu toda a rua e, com um grito sufocado, ela viu o homem abrindo o portão da sua casa e adentrando.
Toda a obsessão em descobrir quem era aquele homem sumiu de repente. Seu instinto de mãe só pensava em salvar o filho. Aquele homem era um ladrão. Provavelmente a seguira outros dias. Descobrira sua casa. Não! Correu tanto, cruzou o portão aberto, abriu a porta e deparou-se com seu garotinho no colo do homem, perguntando "Vamos brincar, papai?"
Aquele homem era seu marido.