AMARELINHA
nair lúcia de britto


Não tinha nome nem dono.
Simplesmente surgiu, certo dia, no grande terraço da casa de D. Ernestina. Quem a viu primeiro foi a arrumadeira, que em seguida chamou pela patrôa:
-- D. Ernestina! Veja só!
Ela atendeu curiosa. E deu com uma gata amarela, um tanto magra, um pouco tímida e com um grande par de olhos, cheios de meiguice.
-- Pobrezinha! Se já não tivéssemos tantos gatos, poderíamos ficar com ela – e suspirou com resignação. -- Dê-lhe um pouco de comida e deixe que ela volte à rua.
A arrumadeira obedeceu. No dia seguinte, entretanto, a gata voltou e no outro também. A ordem foi a mesma: comida e rua! No quarto dia, porém, a gata relutou. Veio se chegando, mansamente; tão carinhosa, tão dengosa pros lados de D. Ernestina, que esta se deixou vencer:
-- Entre! Pronto!... Fique, a casa é sua!

É claro que Amarelinha entrou e ficou. Fez logo amizade com o Duducho, um gatão muito esnobe que, em vez de fazer “miau” fazia “minhon”; com Mãezinha, que era a mãe de todos os outros gatos; e com os demais gatos da casa.Em pouco tempo, Amarelinha já fazia parte da família. E, quando não estava ao pé de sua dona, estava a procurar por ela.
Certo dia, segundo instruções do veterinário, Amarelinha precisava ser operada. D. Ernestina titubiava. A operação embora
necessária era arriscada. Afinal se decicidiu: se era para o bem da bichana, fosse o que Deus quisesse!
Com o coração apertado, D. Ernestina levou a Amarelinha para a clínica veterinária. Do lado de fora da sala de cirurgia, ficou aguardando muito aflita pelo final da intervenção. Tudo pronto, trouxe-a de volta ao lar, toda envolta em faixas e ainda sob o efeito da anestesia.

Chegou a noite daquele mesmo dia. D. Ernestina estava à mesa, jantando. Porém, não conseguia comer. Sentia-se, subtamente incomodada por um mau- pressentimento.Imediatamente, abandonou o prato ainda cheio de comida e foi ao encontro da gata, no andar de cima da casa. Deparou-se com a bichana inerte, sem dar qualquer sinal de vida. Rapidamente, tomou-lhe as patinhas entre suas mãos trêmulas: estavam hirtas e frias. Ao perceber que Amarelinha, sua companheira constante, estava morrendo, foi dominada pelo pânico. Um gemido agudo saiu dos seus lábios. E lágrimas corriam dos seus olhos, grossas e intensas. Neste exato momento, aconteceu algo extraordinário!
Com um esforço supremo, a gata abandonou sua posição de inércia e voltou vagarosamente a cabeça, com os olhos em direção à sua dona. Era um olhar comprido; muito expressivo, mas indescretível!
Era como que se quisesse impedir o sofrimento de sua dona. Então resolveu, de repente, reunir todas as suas forças para sobreviver. E dessa luta saiu vencedora!
Depois de uma noite difícil e longa, sob o acalanto carinhoso de sua protetora, Amarelinha amanheceu completamente fora de qualquer perigo. Era o milagre do amor...

Hoje, Amarelinha está forte e saudável... Quando não está correndo atrás de sua dona, está a procurar por ela. Da operação nenhum vestígio. Nem mesmo uma cicatriz.
Como agradecimento, D. Ernestina construiu no jardim do seu sítio, entre lindas plantas, uma capelinha com a imagem de São Francisco de Assis.


Eu escrevi esta história em homenagem a uma tia muito querida, chamada Ernestina. Ela era pintora, crítica de arte. Escreveu belos artigos sobre o assunto no jornal "Folha da Tarde", de São Paulo. Uma pessoa muito inteligente, muito culta, que amava os animais e tudo que existe de belo. Uma grande artista criativa e inovadora. Na sua Escola de Arte deixou muitas lições aos seus alunos, que hoje também são artistas. Um grande coração que o meu coração jamais esquecerá.

Nair Lúcia de Britto
Enviado por Nair Lúcia de Britto em 12/11/2012
Reeditado em 25/01/2016
Código do texto: T3982370
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