FESTA DE CONFRATERNIZAÇÃO
Fernando apreciava seu visual despojado ao olhar-se no espelho. Havia muito tempo que não se vestia assim (era só terno e gravata): jeans básico e uma polo uva, de grife, que comprara especialmente para a festa de confraternização da empresa. Nada poderia dar errado! Afinal, o Diretor-Presidente compareceria; e acompanhado dos quatro filhos! Batalhara muito por aquele cargo de Gerente e estava disposto a defendê-lo a todo o custo!
Chegou bem cedo ao evento, precisava acompanhar a organização. Chico, o encarregado de serviços gerais, veio ao seu encontro pedindo instruções. Fernando, cheio de vaidade, falava com o subalterno como se, de fato, fosse humanamente superior a ele.
Passadas algumas horas, os outros funcionários todos presentes. Chegaram, finalmente, os Diretores: o Diretor Administrativo, com esposa e filhinha de dez anos, o jovem Diretor de Marketing, acompanhado de sua mãe, e o Diretor-Presidente, com seus quatro filhos, que gozavam as aventuras da casa dos vinte, como Fernando.
O cortês Gerente, de pronto, foi recebê-los com toda a pompa e glória merecidas! Muito whisky para a alta estirpe, muito uísque também para os empregados e familiares, que no entanto, preferiam cerveja. E assim transcorreu a festa, sem maiores imprevistos. Ao final, as “celebridades” cumprimentaram o genial Fernando, esquecendo-se de que com ele, havia uma equipe afinadíssima. E o promissor Gerente não fez questão nenhuma de lembrá-las...
Já estava exausto! E teria que ficar até o fim, juntamente com Chico, para arrumar tudo e entregar o salão de festas da empresa intacto. Não deveria restar nenhum vestígio da “confraternização” no dia seguinte. Ainda bem que quase todos já haviam se retirado. Faltavam os quatro filhos do Diretor-Presidente, que já alterados, convidaram-no a tomar algum para “fechar a noite”. Por tratar-se de gente tão importante, nosso rapaz não teve como negar. Afinal, em seu raciocínio entorpecido, uma amizade mais íntima poderia ser útil! E pôs-se a beber com os outros garotos. Bebeu, bebeu, bebeu muito!
Tiveram a ideia de tirar fotos, mas ironicamente todos os aparelhos disponíveis estavam com suas baterias descarregadas. Foi então que Fernando, já com a língua enrolada de tanto whisky, chamou Chico:
– Ô, mané? Cê tem um celular que tira foto, aí?
Chico prontamente emprestou seu telefone. Fernando tratou de humilhá-lo:
– Eu não sabia que manés tinham celulares sofisticados assim! Pra quê? Pra tirar fotos dos jacarezinhos da sua casa? E eles ainda dizem que são iguais à gente, rapazes!
Todos caíram na gargalhada. Chico apenas disse baixinho, quase para si:
– Vocês estão muito bêbados...
Os filhos do Diretor incitaram o jovem Gerente a fazer as poses mais ridículas. Ele, completamente embriagado, obedeceu a tudo: andou de quatro, colocou a língua à mostra, as nádegas à mostra!
Satisfeitos, devolveram o celular a Chico, combinando “descarregarem” as fotos posteriormente.
Manhã seguinte. Cabeça explodindo! Corpo em frangalhos! A cada flash de memória que o atacava, Fernando gemia de vergonha. Como voltar à empresa? Como encarar todo mundo? Àquela altura, tudo já estava perdido! Mas fugir seria pior! Levantou-se num ímpeto e foi para o banho...
Chegando ao trabalho, cabisbaixo, entrou em sua sala e viu pela janela os filhos do Diretor conversando com Chico! É, estava arruinado! Tantos planos, meu Deus! Tudo pelo ralo. Em seguida, percebendo que os rapazes saíram, imediatamente, chamou o encarregado de serviços gerais:
– Pois não, senhor gerente?
– Obrigado por organizar o salão. Você já entregou as fotos pra eles?
– Não. Eu as excluí.
O Gerente, com um nó na garganta e tremendo muito, com dificuldade, perguntou:
– Por que você fez isso?
E a resposta abalou profundamente todas as estruturas emocionais e morais de Fernando.
A resposta?
A resposta:
– Porque você é meu semelhante. E eu respeito meus semelhantes.