Meu Nome é Hermes
MEU NOME É HERMES!
Nem imagino quantas vezes ainda serei enganado, quantas decepções terei. Prejuízos e encrencas que advirão. Por nada deixarei de acreditar na bondade das pessoas, de me encantar com um novo relacionamento... de sonhar. Já tentei ser diferente. Precavido, cauteloso e reservado. Mas nas ocasiões em que agi assim, fui artificial, sofri com as minhas atitudes tacanhas e, por vezes, causei vergonha a mim mesmo.
Mudar um comportamento que já faz parte dos nossos valores, pode não ser impossível, mas é, sem dívida, muito difícil. E o simples fato de termos consciência dos riscos envolvidos, não nos predispõe a proceder de maneira diferente do habitual, até porque a mudança quebraria a espontaneidade, nos obrigando permanecer vigilantes e, por conseguinte, estressados, o que não deixa de ser problema, embora de outra ordem.
Mas não sou o único. Outro dia parei no semáforo de uma das avenidas mais movimentadas de Fortaleza e também a mais perigosa, onde se aglomeram lavadores de pára-brisa, pedintes, vendedores de bugingangas e ladrões. Enquanto aguardava o sinal abrir, fui abordado por um rapaz que mais parecia uma loja ambulante de tantos produtos que vendia. Vi carregadores de celular sobre seus ombros e lembrei-me de que estava precisando de um. Baixei o vidro e perguntei quanto custava. Primeiro ele me entregou a mercadoria pra testar e depois disse o preço, quinze reais, pois era original, etc... Faço aqui um parêntese, para relatar outro hábito adquirido desde quando eu precisava economizar centavos. A pechincha. É que, embora ainda me seja útil na aquisição de bens de valor justificável, às vezes me causa envergonha ficar barganhando com pessoas que vendem objetos de valor ínfimo, apenas para ganhar o necessário à subsistência. Assim, não aceitei o preço e não estivesse sobre a pressão do tempo, embora necessitando do produto, teria começado a negociação oferecendo R$ 7,00. Mas disse logo que pagaria 10, era pegar ou largar. A negociação foi fechada quando o sinal já estava aberto e os carros iniciando o movimento. Não tive coragem de entregar a única cédula de R$ 20 que portava, pois termia ficar sem o troco. Quando percebi que não ai mais dar tempo fiz gesto de devolver a compra, mas o rapaz rejeitou e seguiu ladeando o carro, aumentando o passo na mesma velocidade e fazendo sinal para que eu encostasse logo adiante. Não teve jeito. Ganhei distância e o trânsito intenso não permitia uma parada com segurança. Fui embora sem pagar.
... Meu nome é Hermes. Meu nome é Heeermes... gritava o desgraçado. Senti-me arrependido e enojado com a aquela atitude mesquinha. Afinal o que representava para mim os dez reais do troco que teria perdido, em comparação com o prejuízo do Hermes, aquele coitado, que talvez nem fosse o dono da mercadoria. Refleti que ele poderia ter puxado a cédula ou até a minha carteira, se quisesse, pois oportunidade tivera. Não o fez. Preferiu acreditar que eu ia parar à frente, sem se perturbar com a possibilidade de ser enganado. Isso aumentava a minha culpa, e para aliviá-la pus-me a busca do Hermes. Custei localizá-lo, pois havia se mudado para outro local, e nem sei se o fiz algum bem cultivando sua autoconfiança nas pessoas, mas pra mim foi gratificante rever aquele homem, cujo aspecto de vida sofrida marcava-lhe o rosto, se desmanchar num sorriso desdentado, e dizer, com a convicção dos ingênuos – “eu sabia que o senhor voltava”!