UMA HISTÓRIA DE ARREPIAR
Mudamos para Patos e Minas logo nos primeiros anos de casados. De lá nos mudamos para uma área nos arredores do campo de aviação da mesma cidade. As pessoas conhecidas quando souberam, nos amedrontavam, mas pensávamos que eram só lendas e não nos preocupamos muito com os boatos.
Muitos falavam: — Credo! E faziam o sinal da cruz. — Aquele lugar é mal-assombrado, vai pra lá não seu Piio. Olha, dizem que lá aparecem “coisas”.
— Mas que coisas gente?
— Pedra em cima da casa, telha quebrada, cai pedras nas panelas, aparece bicho nojento nas comidas, arte do “Coisa Ruim” num sabe?
— Gente, vocês estão enganados, não existem essas coisas de assombração não.
— Olha seu Piio! O Senhor num manga da gente não, que a coisa lá é braba mesmo. O Senhor vai se arrepender, escuta o que nós estamos falando.
Mas as coisas estavam difíceis, iniciando vida de casado, sem trabalho e sem expectativas, vimos-nos na única alternativa: Mudar-nos para o tão afamado, ou mal afamado, campo de aviação, na fazenda do Dr. Paulo Corrêa, onde seria contratado como agregado. Ademais, nós éramos católicos, de famílias fervorosas, devotos e praticantes. Não tínhamos medo “dessas coisas”.
Olha, nem gosto de lembrar viu! Arrepio-me todo, quando me lembro! Veja aqui! Não é que o tal lugar era mesmo dominado pelo “mal”? E está aí a minha esposa Maria Corrêa, que presenciou tudo junto comigo, e não foi uma nem duas vezes que rezou comigo para afugentar o tal “bichão” que aparecia por lá.
Havia na mesma fazenda, à distância de vista, uma outra casinha, também de agregados, era uma família de negros, da melhor vizinhança possível. Gente tão boa quanto sofrida, pois essa família era constantemente importunada pelo “mal”. Não raro, víamos o Senhor Acácio chorar aos gritos, ele dizia que apanhava dos “Bichos Ruins”. Eu ficava muito agredido com tal situação, pois ouvíamos os gritos, então perguntava:
— Mas, Seu Acácio, apanha de quem? Não vejo ninguém chegar aqui, como também não vejo ninguém sair, isso só pode ser coisa da cabeça do senhor. Olha o senhor e sua família precisa rezar mais, se o senhor quiser, nós podemos vir aqui de vez em quando rezar o terço com vocês.
— Ah seu Piio! O sinhô ainda há de ver, o sinhô ainda há de ver! Pode vin rezá quando o sinhô quizé. Nóis só tem paiz quando sinhô chega aí na porta. Oia lá! Ez tá tudo quetin dibaxo do banco, oia lá.
Ele mostrava debaixo do banco de tábuas, eu olhava, olhava, mas não via nada.
Por várias vezes me levantei cedo e o Senhor Acácio estava dormindo bem encostado na minha porta. Ele dizia que o dia que “eles” estavam atentados, era o único lugar que davam sossego, por isso vinha dormir ali na minha porta. E mostrava para os quadros do Sagrado Coração de Jesus e de Maria que tínhamos na parede. Dizia que ali se sentia protegido. Eu explicava para o Senhor Acácio que não eram os quadros que nos protegiam, mas sim a fé que tínhamos no próprio Jesus Cristo e na sua mãe verdadeira que estavam no céu, e que eles também poderiam ser protegidos através da fé.
Houve um dia que a Maria também presenciou. O Senhor Acácio estava capinando, num roçado logo à vista de nossa casa, e ouvimos os gritos. Ele chorava gritando debruçado na enxada. Minha esposa e eu ficamos apavorados e não suportando ver aquele sofrimento eu disse:
— Maria, eu vou lá! Ele não pode estar mentindo, um homem não chora assim aos gritos. E se for o “Coisa Ruim” como ele diz, eu tenho fé que Deus e seu sagrado filho Nosso Senhor Jesus Cristo, há de ter mais poder sobre esse “mal”.
E fui. Quando me acheguei perto, coloquei a mão em seu ombro devagar e chamei:
— Seu Acácio!?
Ele deu um pulo e parou de chorar. Abraçou-me dizendo:
— Seu Piio, foi Deus qui mandô o sinhô aqui agora! Ez tava me bateno, e agora oia aí! Foi só o sinhô chegá e ez sumiu tudo. O sinhô é um home de Deus.
Eu fiquei sem palavras e apenas rezei com ele.
Houve um outro dia em que eu fui acudir o Senhor Acácio e ao me aproximar dele, antes que o tocasse, eu senti um baque muito forte, como se uma energia maligna se apoderasse de mim. Percebi então que estava despreparado, fora da graça de Deus. Mas já estava lá e não podia voltar atrás. Então me humilhei, bati os joelhos no chão e orei, o Creio em Deus Pai, a Salve Rainha e o ato de contrição, me arrependendo sinceramente dos meus pecados. E Deus me ouviu e me deu forças. Levantei-me e gritei em Nome de Jesus que o “mal’” o deixasse e Deus atendeu livrando o pobre homem.
Certo dia Seu Acácio caiu doente e eu perguntei-lhe se poderia levar um padre lá, para se confessar. Já ouvi dizer, que essas coisas acontecem muitas vezes, por falta de perdão entre alguns membros da família. Seu Acácio então me disse:
— Seu Piio o sinhô pode inté trazê o pade aqui, mas num dianta trazê quarqué um não. Pra resorvê esse pobrema aqui, tem de sê o Monsinhô, se num fô ele, num vai adiantá nada, pruquê a coisa aqui é muito séra.
Eu não pude ir imediatamente procurar o Monsenhor. Fui assim que pude, mas não consegui que ele fosse logo também, e nesse intervalo infelizmente o Senhor Acácio morreu. Ainda hoje me sinto um pouco culpado por não ter levado o Monsenhor a tempo de confessá-lo. Mas por outro lado, sei que a bondade de Deus é infinita e só o fato de ele ter desejado o perdão e o encontro com o padre, já era o suficiente para ter recebido a misericórdia de Deus e a salvação.
Conto aos meus filhos essas histórias, para que eles saibam que não somos nada sem Deus. Na verdade, somos muito fracos e rodeados de todo tipo de perseguição e maldades do “inimigo”. Mas não somos desvalidos, Deus é maior que todos os males que possam nos assombrar. Nossa confiança está em Deus e nossa fé precisa ser cultivada e regada de orações todos os dias de nossas vidas...
Obs: Essas são algumas das historias contadas pelo meu pai e minha mãe: Piio Camilo e Maria Corrêa, não sou testemunha ocular dos fatos, mas, nem penso em desacreditar, pois são testemunhos verdadeiros dos dois e com essas coisas agente não se brinca...
Maria Helena Camilo