CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XXII – Relembrança – Bacabal (MA)
 


CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XXII – Relembrança – 21.05.2012.

A Argúcia do Nobre
 

               Quem vem acompanhando esta história sabe que o seu conteúdo é enriquecido com parte da vida do amigo Nobre, hoje aposentado do Banco do Brasil, onde exercera as mais altas funções comissionadas, até mesmo de Superintendente Estadual. E sendo praticamente impossível lembrar-se de tudo rigorosamente dentro da ordem, de vez em quando ele retorna com novos fatos de lugares por onde passara.

            A Arrozeira Vale do Mearim Ltda., de propriedade dos senhores Almiro e Gama Sá era uma indústria de transformação que funcionava em Bacabal (MA), nas proximidades da antiga agência do banco, pertinho do Clube Icaraí, da alta sociedade local. Beneficiando primariamente o arroz, isto é retirando sua casca e deixando-o já em condições de consumo (pilando), movimentava muito dinheiro naquele comércio maluco do Maranhão nas épocas de safras. A quantidade que adquiria dos produtores rurais era enorme, e para isso contava com empréstimos do governo, através dos chamados EGFs, que consistia em armazenar a produção e receber um adiantamento sobre o valor dos estoques, de sorte que não faltassem recursos para capital de giro. Era uma gigantesca empresa, detentora de enormes armazéns e de boa maquinaria. Causava boa impressão. Mas é bom que se diga que a presença de intermediários era bem forte no relacionamento produtor rural/indústrias.

            Os financiamentos para estoques eram tipicamente feitos com dinheiro do Governo Federal, vinculados ao Ministério da Agricultura, através da Comissão de Financiamento da Produção – CFP. É assunto antigo. Não fora inventado no atual governo como parece querer entender membros da situação. Naquela época a falta de armazéns oficiais era patente. A CIBRAZEM – Cia. Brasileira de Armazenamento -- não os possuía em quantidade necessária ao atendimento da demanda, mas por liberalidade e criando facilidades concordava em que o produto ficasse depositado nas próprias dependências dos mutuários, ficando ela com as chaves e na condição de “Fiel Depositaria” nos termos da lei. Isso deixava tanto o banco como o próprio governo tranquilo quanto à seriedade dos negócios.

            O banco tinha obrigação de fiscalizar os estoques bimestralmente. E assim era feito. Bons funcionários aqueles fiscais de Bacabal! Na primeira vistoria na batuta do Nobre a fiscalização, escandalizada, apresentou-se nervosa e foi logo dizendo: “Chefe, não há um caroço de arroz na empresa, venderam tudo...”. – Faça o laudo, falara Nobre, e leve logo este convite, a fim de que os dirigentes da devedora compareçam para falar comigo, se possível ainda hoje. Em pouco tempo lá estava o Almiro – Gama estava ausente – para uma séria conversa. De suas declarações, Nobre fez questão de que ele falasse qual fora a época em que desviaram o produto, se antes ou depois de sua posse. Respondera que bem antes, apenas não estavam fazendo as fiscalizações rotineiras. Mas era preciso que isso ficasse por escrito, que fosse levado a termo, fizera uma carta e confessara.

            Tomadas essas medidas iniciais Nobre escreveu à CIBRAZEM e à Comissão de Financiamento da Produção que, por sua vez, comunicou a ocorrência ao Ministério da Agricultura. Tratando-se de operação em curso anormal e de alto valor, do fato dera conhecimento à GERAM – Gerência do BB para a Região Norte, que orientou no sentido de que o banco estava garantido, que o problema agora era entre a firma e o governo federal. Ora, para quem estava regularizando créditos irregulares encontrados e praticamente congelados, sem providências, o acontecimento era aborrecedor. De outro lado, em plena revolução uma firma ter a coragem de desviar produto do governo! Tem de mandar seus dirigentes para a cadeia, alguém o dissera. Caso específico de “prisão cível”.

            Não havia demorado uma semana, chega um alto funcionário do Ministério da Agricultura, na realidade um Coronel do Exército para conversar com o Nobre. Aliás, abrindo um parêntesis, ele falara que “a ocasião” ditava que tipo de autoridade ele era. Se fosse resolver um problema de estudantes o faria com identificação do Ministério da Educação; se casos de segurança, SNI... E assim por diante. Um homem delicado, mas sem experiência em negócios bancários. Pediu orientações e sugestões de como resolver tão descarado crime sem, contudo, necessitar de medidas severas. “O senhor manda chamar os sócios e um cidadão português padrinho do Almiro os coloca na prensa e deles vai arrancar uma proposta de liquidação amigável do débito, em três parcelas, por exemplo”, dissera-lhe o gerente. – Tão fácil assim, retrucara. – Claro, com a faca, o queijo, a justiça e a revolução em cima deles não há como ter insucesso, nem precisa de contrato, bastam três promissórias com o aval do português, homem rico, concluíra o Nobre.

            Tudo certo e feito como sugerido. Dividiu-se o débito, acrescido de juros, multas e demais despesas. O coronel fora embora agradecido, mas ficara acertado que não pagando no exato dia do vencimento a CFP deveria ser comunicada da ocorrência para que começasse a agir. Houve pequeno atraso, mas quando o funcionário do governo chegava eles pagavam imediatamente, até que tudo fora liquidado, sem qualquer prejuízo, a não ser de ordem cadastral para os clientes. Falta grave, cartão vermelho pelo menos por dois anos.

            Pouco tempo depois o Almiro aparece como o novo representante para a grande Região do Mearim, dos produtos Brahma, cuja cerveja era talvez a mais conhecida dos maranhenses, quiçá dos brasileiros. Com o calor da cidade o consumo de cerveja era de causar espanto a muita gente. Ainda mais sendo uma espécie de pólo para onde afluíam compradores de arroz, notadamente de Minas Gerais, o remédio mais eficaz era uma “lourinha suada”. Seus negócios prosperavam, nem informações cadastrais foram pedidas ao BB... Seu padrinho era avalista e tinha recursos... Isso era o que interessava aos fabricantes.

Paramos por aqui pra não fundir a cuca dos leitores.

Em construção/revisão.

Foto: Vista atual de Bacabal, captada na INTERNET. Caso tenha direitos autorais me avisem pra que eu possa retirar a pertinente foto.
Ansilgus
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Enviado por ansilgus em 21/05/2012
Reeditado em 21/05/2012
Código do texto: T3680124
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