- E não é?
Ela olhou o mar muito azul alguns metros adiante. Depois de alguns segundos suspirou resignada. Pensou até em responder que era, que poderia ter sido ou que até poderia tentar, mas estava cansada, muito cansada de mentir.
- Não. Não sou.
- Eu não acredito.
- Mas é a verdade.
- Você está confundindo as coisas. Ser feliz não é isso o que você pensa. É diferente.
- E o que é que eu penso – ela perguntou irritada.
- Eu não vou falar sobre isso.
Ela olhou o mar novamente e olhou também as lembranças dos anos passados. Há muito se sentia exaurida, cansada das máscaras de todos os dias. Há muito estava vazia.
- Mas eu quero tentar!
- Não há nada para tentar. Não diga bobagem. Temos tudo. Família, filhos, trabalho, saúde. Que mais alguém pode querer?
Ela não respondeu. Ficou olhando uma gaivota voar perto da água, depois mergulhar e voltar a subir, desta vez com algo se debatendo no bico.
- Pode querer ser autêntica, livre, aceita, com valor... Pode querer rir, brindar, compartilhar, estas coisas...
- Isto é bobagem – ele retrucou com mal humor.
Ela ficou quieta. A gaivota voltou a voar baixo e depois desapareceu no horizonte.
- Eu não sei mais quem eu sou.
- Procure ajuda.
- Eu não quero ajuda – ela levantou a voz. - Quero ser feliz!
- Este mundo que você imagina não existe!
Ela não respondeu. Ficou calada lembrando dos dias de chuva, imaginando as gargalhadas sonoras que não foram dadas, os planos que poderiam ter sido feitos, os dias e noites de aprendizagem, a cumplicidade, o pertencimento e a entrega mútua que ela sabia que existia, mas que até então não vivera.
- Vamos entrar? Está ficando tarde - ele disse autoritário.
Depois de longos minutos de silêncio ele desistiu de esperar a resposta e entrou na casa sozinho.
Ela ficou calada pelas duas horas seguintes. Quando resolveu deixar de olhar o mar, tinha tomado a decisão: em primeiro lugar não há nada na vida que justifique a nulidade de alguém.
Em segundo, não importa o tempo, a idade, os bens, os anos de convivência, se o relacionamento passou a ser conveniência.
Em terceiro, apenas uma verdade justifica a existência: o amor.
Ela entrou na casa com um brilho novo nos olhos. Abriu o armário e começou a preparar o jantar.
Ele nem notou quando ela sorriu e os olhos se perderam em lembranças, em outros olhos...
A certeza estava instalada.
Quando retornaram à cidade, primeiro ela pintou um quadro, depois bebeu um vinho e por fim fechou a porta da casa da alma vazia.
Tinha um novo rumo. Partiu em busca do sorriso das memórias de toda uma vida.
Seria feliz.