Constatações da madrugada

A dor chegou quando ela estava sozinha, sentada na varanda. Como a onda que se forma mansamente e estoura com força na areia, o sentimento revirou tudo, do grãozinho às pequenas conhinhas que escondiam muitas das suas inseguranças.

Não conseguiu segurar as lágrimas salgadas. Não conseguiu refrear os pensamentos cortantes. Não conseguiu refrear as imagens cancerígenas cheias de medo. Sentia-se embriagada pelo seu vazio interior e nada via no seu futuro que não fosse a realidade mediana a qual parecia estar destinada.

Ela via a si mesma como uma pessoa invisível, sem cores, extravagâncias ou características únicas. Um robô feito para se camuflar em meio à multidão. Uma máquina de ossos e sangue gerada para ver tudo com olhos de quem já viveu a vida uma centena de vezes. Sem grandes sustos, sem grandes emoções.

Ao mesmo tempo, ela também percebeu que sentia. Não estava, afinal, tudo morto e perdido. A tristeza sem explicação estava ali, é claro. Mas havia também um coração que pulsava com força e intensidade. As esperanças e ilusões persistiam em sua mente, tentando mantê-la na superfície. Se vivendo ou sobrevivendo, a dor não permitiu que ela soubesse.