Cão
Amontoado num canto da rua. De longe pensava-se que era um de lixo. Passava horas assim, nesse canto. Considerava ali sua casa. Às vezes se dispersava com algum gato que lhe cruzava o caminho, uma das poucas ocasiões em que se movimentava com o fervor de um filhote. Mas logo se cansava e voltava para o seu lugar. Não passava fome. O dono do restaurante sempre deixava algumas sobras depois do almoço e do jantar. Sofria na chuva. Tremia no frio. Pior era frio com chuva. No verão o sol lhe torricava as orelhas. Gostava daquilo. E a vida continuava.
Toda manhã ele acompanhava, como os olhos, aquele gente que tinha pressa. Não entendia o porquê. Imagina que estavam distribuindo comida à vontade. Mas não! Esses seres eram estranhos. Se alegravam com papel; o mais engraçado é que existiam uns bobões que trocavam esse papel por objetos grandes e muitas vezes bonitos. Que idiotas. Ria na sua risada mental. Passava a língua pelos dentes e depois tocava o focinho no chão. Encolhia-se todo, abanava um pouco o rabo, só para espantar as moscas e depois virava para o lado e dormia. Vida boa. Barriga cheia e um canto para dormir. Precisa de mais?
De tarde resolvia dar um passeio. Nada grandioso. Uma volta no quarteirão ou, quando muito, subia o morro, mas só voltava depois de muito tempo, quando toda a fadiga se extinguia. Era neste horário que as pessoas voltavam para suas casas. Não conseguia entender o porquê que iam tão devagar e tristes. De manhã eram tão rápidas e... bicho estranho. Além de andar em duas patas, necessitava de uma outra pele para se aquecer, pois não tem pelo suficiente. Era impossível que vivessem tantos anos. Estranho, bicho muito estranho.
Voltava para o lar e ficava ansioso para que o cozinheiro lhe levasse um pouco de comida. Não precisava de mais nada.