Apenas dê tempo ao tempo
“O que fazemos, quando não sabemos o que fazer? O que fazemos, quando parece que as coisas não estão caminhando bem? O que fazemos, quando não achamos meios para conquistar o tesouro que tanto estimamos? Eu não sei”
Fred dava passos largos e rápidos na avenida. Podia-se notar de longe sua face cansada. Mas um cansaço mais mental do me físico. Como se carregasse uma grande carga nas costas, mais pesada do que ele próprio. Como um rapaz de apenas 20 anos, cheio de saúde e vontade, pode ser visto dessa forma numa tarde linda de sábado? Após longos dias de trabalho é de se esperar que a avidez da juventude empurre pessoas assim para viagens com os amigos, passeios no shopping ou apenas encontros sociais.
Um rapaz praticamente independente aos vinte anos é protagonista de uma conquista vitoriosa. A liberdade é um fruto que requer grande esforço, e o gosto de saboreá-la é totalmente viciante e penetrante. Ela não é citada nos encontros, mas inconscientemente é comemorada em todos os momentos.
A tez no rosto de Fred acusava a sua exposição ao sol, que caminhava já algum tempo. Mesmo sendo um sábado, vestia social, a roupa que usa no seu trabalho. Com passos firmes e olhos imóveis ele passava no meio da multidão, que de certo modo estranhava o perfil do rapaz.
Parou de frente de um prédio, olhou a inscrição discreta por cima e apressou-se em subir as escadas. A construção era antiga, mas continuava bem preservada. Os longos lances de escada denunciavam a discrição do local, muito pouco procurada dentro de uma sociedade ávida por bens e dinheiro vivo. Fred subia-os com pressa, como se já freqüentasse o lugar por anos. O fim dos degraus deixou Fred de cara com um portão de ferro. A campainha soou:
- Rubens psicologia, boa tarde.
- Boa tarde, eu tenho consulta marcada para agora as 15:30.
O portão se abriu e logo se podia ver ao fundo a sala do doutor. Cumprimentaram-se brevemente e Fred sentou-se numa poltrona, onde já se via ao lado, um jarro de água. O ambiente fresco fez com que Fred sentisse um choque térmico, cruzou os braços e debruçou-se na poltrona.
Rubens era um homem bem maduro que somava já seus 55 anos. O psicólogo olhou o jovem com uma impressão surpresa, visto que nunca havia atendido um cliente tão jovem com um perfil daquele.
- Fred, queria dizer primeiramente que estou aqui para te ajudar. Vejo que é jovem e o fato de vir até aqui demonstra a sua preocupação. Isso é bastante relevante.
Rubens tentou amenizar as barreiras da timidez como faz com todos os clientes. Afinal, confessar problemas e desabafar com alguém que você nunca viu na vida é um fator de peso. Mas Fred pareceu que queria ir direto ao assunto. Sua mente demonstrava o contrário do corpo. Não tinha uma postura de um jovem orgulhoso e satisfeito de si mesmo, mas tinha uma retórica de um adulto maduro. Esse paradoxo deixou o doutor Rubens curioso, uma mente brilhante com corpo sem expressão. O desafio estava feito.
Fred se deixou levar pelo momento acabou estendendo sua história desde as suas primeiras experiências até o momento. Um dos pontos chaves de seu diálogo foi a sua descrição da sua própria auto-estima. Disse que vivia um paradoxo na sua vida, tinha tudo dentro dele, mas não conseguia usar.
- Doutor, meu pai sempre fala de mim para outras pessoas, dos meus objetivos e alvos profissionais. Mas isso me deixa sem jeito, quer dizer, eu tenho alvos, mas só temos certeza absoluta que vai dar certo quando cumprimos com ele. Ele vive me vangloriando e eu me sinto carregado de responsabilidade. E sabe doutor, eu sou muito ansioso, tenho medo de que as coisas dêem errado, tenho medo às vezes da opinião de outras pessoas. Sei que possuo dons como qualquer outra pessoa, mas na maioria das vezes não consigo aproveitá-lo porque a ansiedade me atrapalha.
- Entendo sua preocupação, Fred. Todos nós temos ansiedades. Mas pelo que você me disse você trabalha e estuda. E de certa forma você mesmo se sustenta, reconhece esses frutos do seu trabalho?
Fred pensou na resposta, era um comentário óbvio do doutor, mas ele pensou em descrever o que sentia quanto a isso:
- Eu reconheço doutor, mas a impressão que tenho é que não é o bastante. Digo não só em termos profissionais, mas em termos pessoais principalmente.
- Você conseguiria me dar algum exemplo Fred?- Rubens colocou a mão no queixo e forçou as sobrancelhas.
Fred pensou, como se a descrição do sentimento fosse mais fácil do que a própria prática. Depois de instantes respondeu:
-Sim Doutor. Ultimamente tenho conversado com uma garota, eu admiro muito ela, não só é linda como também tem um jeito agradável de ser e, além disso tem os mesmos gostos que eu. Só que...- interrompeu a narração como se o fato fosse o clímax de sua vinda.
- Fique a vontade pra desabar quando quiser Fred – incentivou o doutor.
Fred abaixou a cabeça e disse:
- Acho que não sou o bastante pra ela...
Era o que Rubens esperava, a fragilidade da auto- estima de Fred estimulada pela grande pressão que sofria por sua família e por suas característica psicológicas, haviam atingido e prejudicado o relacionamento dele com outras pessoas, inclusive com relacionamentos amorosos.
- Tenho a impressão Doutor, que ela não tem vontade de falar comigo. Talvez porque ela me ache um tanto “pé no saco” ou coisa parecida.
Rubens, ao mesmo tempo em que ouvia, interpretava a situação. E sabia que aquilo não era um caso sério, o jovem não era problemático, e talvez precisasse apenas um toque para cair a sua ficha. No caso dele, Rubens viu que os comentários de um pai orgulhoso de seu filho acabaram por carregar a mente de Fred, que por natureza é uma pessoa que espera muito de si mesma. Isso teve um efeito cumulativo durante os anos.
Rubens procurou explicar com cautela suas interpretações, e disse que o primeiro passo para vencer um problema é reconhecê-lo.
- Fred, vejo que você é um jovem de talento. É bem focado no que faz. Mas lembre-se, somos seres humanos, não somos perfeitos. Não espere tanto ao extremo de você, simplesmente faça o seu melhor. E quando alguma coisa a princípio o incomoda, não se culpe espontaneamente, apenas dê tempo ao tempo. Esse é o remédio pra muita coisa Fred, é o remédio quando acontece uma tragédia na nossa família ou no nosso âmbito de relacionamento, é o remédio quando alguma coisa dá errada ou não sai como a gente esperava. É isso Fred, dê tempo ao tempo.
Fred ouviu as últimas palavras do doutor ecoarem na sua mente, simplesmente “dê tempo ao tempo”. É uma regra de ouro simples, mas soou como nova para o rapaz.
Fred levantou-se e estendeu a mão para se despedir de Rubens:
- Obrigado doutor.
- Faço isso com todo prazer Fred e lembre-se, você tem direito a um retorno quando quiser.
A avenida continuava movimentada apesar do passar das horas, apenas o sol radiava com menos intensidade. Foi para casa, dessa vez com o rosto erguido e olhos flexíveis, sem pressa alguma.
“O que fazemos, quando não sabemos o que fazer? O que fazemos, quando parece que as coisas não estão caminhando bem? O que fazemos, quando não achamos meios para conquistar o tesouro que tanto estimamos? Apenas dê tempo ao tempo”